Pragmática e apesar da menor posse de bola (44%) e menor ocupação do meio-campo adversário (também 44%), a África do Sul entrou determinada a assumir o comando do jogo utilizando a força do seu bloco de avançados — conseguindo ganhar 6 penalidades nas 14 formações-ordenadas — a capacidade defensiva — 158 placagens num 92% de sucesso — com uma enorme rapidez de acesso à linha-de-vantagem e recorrendo ao avanço em cunha para impedir a utilização dos corredores laterais a que se juntou um jogo-ao-pé de conquista territorial — num total de 26, embora longe dos 41 utilizados contra Gales, para uma conquista de 585 metros — que raríssimas vezes permitiu conta-ataques. Conseguindo ainda, apesar de quase 3/4 de bolas disponíveis em relação ao adversário, quase o dobro de metros de transporte de bola traduzindo a diferença de resultado, contra as 3 penalidades inglesas, em 6 penalidades, 2 transformações e 2 ensaios. Ensaios que foram muito bem-vindos enquanto principal objectivo do jogo — nas duas finais dos dois anteriores títulos, os sul-africanos não tinham marcado qualquer ensaio...
Como se pode ver no gráfico acima a superioridade da África do Sul foi brutal — menos bolas jogáveis, menos ultrapassagens da linha-de-vantagem mas mais ensaios numa demonstração de elevada eficácia contra, pode dizer-se, a nulidade inglesa. Ingleses que, aliás, parecem ter deixado a cabeça, acreditando em eventuais facilidades, na enorme vitória da 1/2 final contra All-Blacks. Coisa que Gatland, treinador galês, já tinha previsto na ironia de um “muitas vezes as equipas jogam a final numa meia-final e nem sempre o conseguem repetir na própria final”. O próprio Eddie Jones reconhece não ser capaz de explicar o fracasso. Tão pouco os “gémeos” Tom Curry e Sam Underhill que estiveram em plano de excelência na meia-final encontrarão explicações para o seu apagamento.
A Inglaterra conseguiu ultrapassar a linha-da-vantagem em 26% das vezes que teve posse da bola mas apenas conseguiu 2 rupturas nas 32 ultrapassagens da linha-de-vantagem sem nunca conseguir chegar à área de ensaio num enorme 0 de taxa de eficácia global. A África do Sul a partir das 86 bolas utilizadas teve uma taxa de eficácia global de 2,2% com as consequências que isso traduz: dois ensaios contra nenhum.
Apesar do apego ao seu modelo-de-jogo — defesa de alta pressão com avanço exterior, jogo ao pé e utilização do poderio físico nas formações ordenadas ou expontâneas e domínio das alturas (100% de alinhamentos e 22 recuperações de pontapés) — a África do Sul, surpreendendo em relação ao que lhe é habitual, ainda utilizou o jogo de passes (87 contra os 67 que realizou contra Gales) para alargar o perímetro do jogo num diferente contributo para as 11 rupturas da linha de defesa inglesa. Uma estratégia vencedora alicerçada numa total confiança a justificar a superioridade absoluta que permitiu a vitória e os números do resultado.
E tudo foi preparado com a antecedência necessária por Rassies Eramus que, foi, ao longo do torneio e por exemplo, dividindo o tempo de utilização dos seus pilares para garantir, à medida que se aproximavam os jogos mais difíceis das eliminatórias, a condição pretendida para impôr a sua superioridade nas formações-ordenadas. Previsão e planeamento. E depois, o pé direito de Pollard — 22 pontos — faz o resto.
A vitória final da África do Sul vale muito mais do que um título mundial como se infere, na lucidez impressionante de um final do jogo, das palavras de Siya Kolisi, o primeiro “capitão” negro dos sul-africanos: ”We have so many problems in our country. But to have a team like this, we come from different backgrounds, different races and we came together with one goal. Since I have been alive I have never seen South Africa like this. With all the challenges we have, the coach said to us that we are not playing for ourselves any more, we are playing for the people back home, and that is what we wanted to do today. We appreciate all the support – people in the taverns, in the shebeens, farms, homeless people and people in the rural areas. Thank you so much, we appreciate the support. We love you South Africa and we can achieve anything if we work together as one.
Há dias, numa conferência no Comité Olímpico de Portugal, o Professor Adriano Moreira, considerando que o desporto é uma solução para a integração das comunidades, uma vez que possui uma linguagem comum universal e a capacidade de aglutinar interesses, afirmava que: “O Desporto é o grande instrumento para apagar as linhas vermelhas que dividem o mundo.”. A vitória mundial da África do Sul pode, como em 1995, apagar divisões e contribuir para a união das gentes e do país.