sábado, 7 de julho de 2012

LIÇÕES DO EURO 2012

O Euro 2012 de futebol mostrou-nos situações que, sendo aplicáveis a outras modalidades colectivas, podem servir, se contextualizadas, como lições que podem ampliar o nosso reportório de treinadores. Enumero sete mais uma nota:

1. A base do sucesso de uma equipa está na formação com uma estratégia comum. O melhor exemplo é dado pela Espanha cuja formação, alicerçada no trabalho da técnica adaptada às necessidades das situações de jogo (skills) e no desenvolvimento de uma cultura táctica individual que sustenta a inteligência da tomada de decisões, permitiu ganhar consecutivamente as três provas internacionais mais importantes - Europeu de 2008, Mundial de 2010 e, de novo, o Europeu de 2012 - superando mudanças de treinador e a dispersão de jogadores por clubes com modelos de jogo diferentes;

2. A alteração de uma equipa para diminuir a capacidade do adversário tem por limite a sua não descaracterização. Viu-se no Alemanha-Itália: as alterações procuradas pela equipa técnica alemã para evitar os pontos considerados mais fortes dos italianos descaracterizou a equipa de tal modo que ela perdeu capacidade de resposta, viu diminuídas as suas possibilidades e o resultado foi uma inesperada derrota;

3. O equilíbrio entre os sectores de uma equipa é o factor decisivo do sucesso. Dar prioridade a um dos sectores da equipa em detrimento dos outros - aumentar a defesa com diminuição das possibilidades atacantes; aumentar o poderio atacante sem garantir as compensações defensivas - pode aparentar uma capacidade de resposta escondida mas, normalmente, não dará os melhores resultados. Exemplos: de certa maneira a postura de Portugal, avessa ao risco, na maratona contra a Espanha - a capacidade atacante foi demasiado baixa para depender de algo mais do que da sorte; a Itália contra a mesma Espanha e porque, tratando-se de uma final - ao contrário do primeiro jogo - havia a necessidade de atacar para marcar golos, descurou demasiado a ocupação de espaços defensivos e, desiquilibrando-se, perdeu por um resultado invulgar;

4. A equipa está sempre em primeiro e nada pode ser feito fora deste domínio. Visto de fora e pelo ecrã televisivo, a sequência ordenada para os marcadores de penaltis por parte de Portugal no jogo contra a Espanha, involuntariamente ou não, pareceu ter obedecido mais a interesses individuais do que aos interesses colectivos da equipa.

[A propósito da questão dos prémios individuais como a Bola de Ouro, Vicente Del Bosque, treinador campeão mundial e europeu, não deixou dúvidas: Sou um descrente nos prémios individuais, para mim o futebol é colectivo.]

5. Uma equipa assenta na solidariedade entre os seus elementos o que exige respeito, reconhecimento e agradecimentos mútuos. Ninguém joga sozinho num desporto colectivo - os aspectos mais brilhantes de um ou outro resultam, na maioria dos casos, do passe ou movimento de outros e raramente de um isolado acto de absoluto talento individual de um ou outro. Exemplos do sentir colectivo são também o abraço de Balotelli ao brilho da assistência de Cassano ou dos marcadores espanhóis aos seus assistentes. Portugal também teve momentos de grande equipa quando soube ultrapassar os seus limites e dar cumprimento ao preceito que define um colectivo: Numa equipa o todo é superior à soma das partes;

6. Uma competição joga-se jogo a jogo. As equipas da Itália e de Portugal são dois bons exemplos das vantagens de levar, numa competição, cada coisa a seu tempo. Pouco consideradas no mercado das apostas, estas equipas, com elevado nível de concentração nas tarefas atribuídas, foram jogando cada jogo como se fosse o último e sem se deixar desfocar por questiúnculas exteriores ao jogo em disputa.Tornaram-se assim nas equipas-surpresa do Euro;

[Ouvi a Serena Williams a explicar, em Wimbledon, o porquê do seu pior desempenho no último set da meia-final - ganhou no tie-break - apontado o ter começado a pensar no jogo seguinte, a final, como causa principal do abaixamento da sua eficácia.]

7. Quem transporta a bola lidera e aos companheiros compete facilitar-lhe a vida. O melhor exemplo da eficácia do tiki-taka: os companheiros do portador da bola oferecem-lhe alternativas de passe que, para além de lhe permitir solucionar eventuais problemas, permitem ainda ampliar a eficácia da continuidade do movimento até surgirem os desequilíbrios. O princípio segue uma regra simples: não é a quem tem o problema de transportar a bola, de escolher a técnica mais adequada e o tempo mais justo - isto é: a quem, num curto espaço de tempo, tem uma série de problemas a resolver - que se tem de exigir a correcção absoluta da intervenção mas é aos que apenas têm que se movimentar que é exegível o melhor contributo para a criação de alternativas que permitam a boa construção da continuidade do movimento.

[Um bom jogador é aquele que cria problemas aos adversários e ajuda a solucionar problemas aos companheiros, Jorge Valdano, futebolista argentino, campeão do mundo, treinador e dirigente.]

NOTA: Durante o Euro também foi possível notar as diferenças, ao nível da ética e da arbitragem, entre o rugby e o futebol. Por um lado, os golos não assinalados pelos árbitros de baliza e que seriam facilmente detectáveis por um qualquer olho-de-falcão; por outro, o pouco fair-play - institucionalmente admitido aliás - que significam as aplaudidas faltas inteligentes (no rugby são consideradas perjorativamente como faltas profissionais) e de que resultam um livre sem importância e um eventual cartão amarelo para cumprimento noutras calendas (no rugby significam pontapé de penalidade com possibilidade de marcação de pontos ou conquista de amplo terreno e um cartão amarelo que reduzirá a equipa faltosa a 14 elementos durante dez minutos). Diferenças, no caso, para melhor no rugby que demonstra uma superior preocupação com o espírito desportivo.

[foi acrescentado o ponto 7. em relação à primeira versão e correspondente às notas tiradas]

Arquivo do blogue

Quem sou

Seguidores