terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

DESPERDÍCIO DE UMA VITÓRIA


Duas evidências ressaltaram do jogo Rússia-Portugal desta 3.ª jornada do RE Championship: que a Rússia, como ficou demonstrado no jogo, é uma equipa perfeitamente acessível e, por isso, derrotável; que e ao contrário do que pretendíamos o velho dito de “o que torto nasce, tarde ou nunca se endireita” tem a verdade da experiência secular. E Portugal começou o jogo muito mal...
... tão mal que os sons dos hinos ainda não tinham desaparecido dos ouvidos e já sofríamos um ensaio para começar o jogo com o handicap negativo de 7-0.
Por mera falta de experiência, dirão os que pensam que a equipa é muito jovem; por falta de cultura táctica individual e colectiva, isto é, de conhecimento do jogo, direi. O pontapé-de-saída pertenceu à Rússia que, sem qualquer disfarce se preparou para o fazer sobre a sua direita. E fê-lo comprido lançado um rápido grupo de perseguidores. Um jogador português estava, visivelmente colocado, para receber a bola e tinha, de ambos os lados, companheiros. Que, ignorando, pelo facto da bola não poder ser passada para a frente, que os jogadores posicionados à frente da bola estão fora-do-jogo, não recuaram com a velocidade devida para, colocados então em jogo, poderem servir de apoio, criando dúvidas ao perseguidor adversário. Nada tendo feito nesse sentido e tendo-se, primeiro a que o companheiro desenrascasse a situação, depois limitado a tentar cobrir o companheiro placado, não foram base de qualquer plataforma e o grupo de jogadores portugueses, recuperando lentamente posições, viu-se varrido pelo grupo adversário lançado e, por isso, com muito superior quantidade de movimento. Com 10 jogadores na perseguição, o meio-campo russo estava desguarnecido e qualquer pontapé seria um problema para uma equipa que defenderia em clara inferioridade numérica. Mas assim, dando avanço, se começou a perder o jogo...

Os jogadores próximos mantiveram-se fora-do-jogo. Resultado: começar a perder 7-0
Safos num primeiro momento, tivemos uma segunda oportunidade de defesa numa formação-ordenada a 5 metros e aí foi maior o desastre. Com apenas menos 1 quilo do que o bloco de avançados adversário e com uma 1.ª linha de peso equilibrado mas com um Indice de compacticidade superior, deixámo-nos arrastar de forma inaceitável. Provavelmente porque nos faltou concentração e atitude e, até e porventura, um líder de avançados capaz. Fazendo do pack português uma bola de trapos, os russos empurraram um desligado grupo até à área de ensaio, começando desde logo e sem grande combate, a reunir a vantagem material e psicológica que lhes permitiu construir a vitória. Vitória que, ao começar num erro, diminuiu as dúvidas e a pressão de uns e aumentou as de outros. As nossas.

A formação-ordenada foi, inicialmente, um desastre, sem coesão, desarticulada, incapaz mesmo, até à entrada de Hasse Ferreira — jogador que considero o Homem do Jogo porque a sua entrada equilibrou a formação e permitiu que Portugal jogasse. Sem formação-ordenada capaz de equilibrar a adversária não se deixando recuar não há nem ataque nem defesa que resistam — a formação-ordenada, juntando oito jogadores em menos de uma vintena de metros quadrados de terreno, é uma excelente plataforma de ataque porque liberta espaço, de defesa porque, se não ceder, a equipa pode atingir rapidamente a linha de vantagem. Mas se ceder, as hipóteses de ruptura são, como foram, enormes...

Outro dos problemas da selecção portuguesa, para além da dificuldade de leitura do posicionamento adversário e da decisão atacante ou das desnecessárias e inúmeras faltas cometidas  — provavelmente resultantes quer do modo interno de jogo por catálogo ou da pouca preocupação com as formas regulamentares do jogo-no-chão — é a ineficácia, quando não incapacidade, do jogo-ao-pé que se mostra pouco incisivo, pouco esclarecido e feito muitas vezes mais com o espírito de alívio do que com a intenção de explorar espaços deixados livres pelos adversários. Sem um consequente jogo-ao-pé não é possível estabelecer a alternância de fases para criar os desequilíbrios que perturbam defensores, criando-lhes dúvidas e retirando-lhes capacidade de pressão ao encurtar a linha defensiva. Tão pouco é possível conquistar terreno sem o brutal esforço de desgaste de sequências intermináveis de fases de jogo. E o rugby é um jogo de conquista territorial!
Contra equipas como a Rússia, Roménia ou Alemanha que se sentem mais confiantes na colisão do que na manobra e que atacam mal em passes a partir do interior do seu meio-campo, um jogo-ao-pé criterioso e objectivamente atacante ou conquistador é decisivo para os impedir de ocuparem o nosso meio-campo. E durante a primeira-parte foi isso que os russos tiveram: ocuparam o meio-campo português, desgastando a nossa defesa, provocando faltas e somando no marcador.

O desperdício por má leitura e as possibilidades de exploração do movimento
A nossa má leitura para explorar situações de desequilíbrio adversário está exemplificada num pontapé-diagonal dado com o resultado em 19-13 favorável aos russos aos 67’ de jogo. O árbitro tinha dado a vantagem a Portugal e portanto a decisão a tomar podia ser de risco elevado porque, se sem resultados práticos, voltar-se-ia ao anterior ponto da falta (como se voltou e que permitiu rápida reposição da bola em jogo pelo capitão Appleton, manobrando para o segundo ensaio português). Como se pode ver nas fotos, a defesa adversária colocara dois defensores recuados a defender um possível pontapé e tinha deixado bastante espaço livre na zona da linha-de-vantagem. A decisão foi, por jogo de cardápio, um desperdício: apressado pontapé em diagonal que, naturalmente foi facilmente capturado pelo defensor russo. No entanto a situação exigia e possibilitava uma outra decisão: ataque ao ombro interior dos defensores em movimento com dobra do companheiro mais próximo, apoio interior e duas possibilidades, interior ou exterior, de passe. Uma articulação de movimentos que e com o pouco risco que se apresentava, deveria ser tentada e, provavelmente, com superior possibilidade de obter os pontos que definiriam a vitória final. Se não resultasse, haveria sempre a garantia da penalidade para aproximar o resultado.
Mas — como se esta falta de visão não bastasse — havia que acrescentar a despreocupação... como se não houvesse diferença entre uma brincadeira e um jogo competitivo de natureza internacional.

Não havia jogadores russos na área -de-ensaio
Aos jogadores portugueses das linhas atrasadas faltará alguma experiência mas falta também a noção clara da contextualização dos jogos internacionais deste nível. O diabo está nos pormenores, diz-se. E no desporto de alto-rendimento são os pormenores que fazem a diferença. Como o facto de, no 2.º ensaio português não haver a mínima das preocupações para facilitar o pontapé de conversão. E como teria sido simples fazer o toque-de-meta dez a quinze metros mais próximo dos postes. Não havia um único adversário dentro da área-de-ensaio nem na proximidade do marcador... E talvez a conversão tivesse entrado e o jogo fosse ganho.
O jogo perdeu-se pelos erros cometidos e por falta da atitude adequada que garantisse a eficácia das acções dentro do terreno-de-jogo. Nomeadamente porque demoramos tempo de mais nos reagrupamentos, normalmente por má técnica da posição do corpo no momento do contacto com mais preocupação de chegar ao chão e menos na disponibilidade da bola. Não basta dizer que se querer ganhar, é preciso agir de acordo com essa vontade, utilizando a eficácia dos gestos adequados. 
Mal habituados numa competição interna que permite demasiada indisciplina técnica, táctica ou regulamentar, exige-se para garantir a desejada e necessária progressão que permita atingir os objectivos pretendidos que exista a necessária reflexão que eleve os graus de exigência competitiva em todos os jogos que estes jogadores internacionais disputem internamente.
Os jogadores portugueses têm que crescer depressa e não viverem mais na confortável posição desculpabilizante da sua juventude — o francês Ntamack tem apenas 20 anos e não se nota essa juventude em campo... Crescer rápido significa transformar as potencialidades visíveis em capacidades de expressão eficaz, tornando as hipóteses, realidades. O que se consegue com responsabilidade, atitude e trabalho.   


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