quarta-feira, 20 de março de 2024

UM MAU PROCESSO TORNA MAU O PRODUTO

O resultado do jogo desta final Geórgia-Portugal (36-10) foi mau. Mesmo mau demais entre equipas que são as 7ª e 8ª equipas europeias, classificadas como 13ª e 15ª no Ranking da World Rugby com, respectivamente, 72,68 e 71,62 pontos. Ou seja: muito próximas — tão próximas que a normal diferença do resultado seria de 2 pontos de jogo…

Ainda provavelmente embalados pelos elogios, embora bastante paternalistas, recebidos no Mundial a que juntámos uma desculpabilizadora “mudança de ciclo” permitimo-nos riscos que ignoraram qualquer relação custos/benefícios. E o que obtivemos, porque como popularmente se diz “o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita”, foram elevados custos para benefícios nulos. E os erros iniciais foram evidentes e tiveram consequências incontroláveis:


1) COMPOSIÇÃO do XV

a) preferência por um banco 5/3 sem qualquer médio-de-formação substituto e apostando na hipótese Nuno Sousa Guedes, recém saído de uma lesão que trazia desde o Mundial, não é solução capaz para um jogo desta responsabilidade;

b) prescindir do jogo-ao-pé, colocando a abertura Tomás Appleton, um jogador que, embora nas suas 65 internacionalizações tenha 5 jogos na posição (4 delas em 2016) mas que não tem os hábitos necessários na distribuição que o modelo-de-jogo pretendido necessita nem tão pouco as do jogo-ao-pé — também deitámos fora a hipótese pontapé-de-ressalto… — que um jogo desta natureza impõe, é uma decisão sem sentido.

c) num jogo contra um bloco-de-avançados como o georgiano que conhecemos bem e que pudemos ver integral contra a Roménia e que tem uma 1ª linha forte e capaz, lançar a estas feras jovens pilares que não têm ainda a experiência e a capacidade técnica necessária ao lugar (volta Força8!, volta depressa!) é, como foi, um enorme risco de custos elevados.

d) apostar numa parelha de médios que nunca jogaram juntos num jogo de previsível alta intensidade, juntando um não-abertura com um jovem formação como é o talentoso mas inexperiente Hugo Camacho, é um erro de palmatória a juntar mais pressão à pressão que um jogo desta natureza já impõe. E não ajudando nada à fluidez do jogo, arma que os Lobos necessitam para conseguir impôr o seu jogo;

e) se deixar Rodrigo Marta no banco é já uma aposta duvidosa, não o fazer entrar com a saída de NSGuedes é outra decisão pouco consequente — vejam-se as participações de Lucas e de Marta nos diferentes níveis franceses onde jogam…

2) CONSEQUÊNCIAS

Naturalmente que a composição do XV inicial tem, como teve, consequências tácticas directas no jogo da equipa:

a) Como NSGuedes se lesionou e saíu aos 3 minutos, o resto do jogo foi passado com o credo na boca esperando que Camacho pudesse fazer o jogo até ao fim. Num jogo desta natureza, uma Final Europeia, não dispôr de um formação seguramente disponível é um erro que pode deixar custos e não se percebe a decisão— optando por uma composição 5/3, um dos três jogadores deveria ser formação;

b) Não havendo capacidade no jogo-ao-pé — foi deixada no banco com Hugo Aubry — e não se joga um jogo deste nível de competitividade sem ter à mão de semear, num jogo em que a conquista do território — seja como alívio, seja como ocupação — é decisiva, a capacidade de jogar-ao-pé. Porque as consequências tácticas são, como foram, depressa percebidas pelo adversário que, assim, fez subir o seu três-de-trás, garantindo uma melhor coesão defensiva e evitando que o jogo de passes português fosse eficaz como demonstra o facto de terem sido criadas 7 rupturas para um mero ensaio conseguido;

b.1) a explicação do recurso de colocar a abertura um bom defensor terá, com certeza, a justificação de melhorar a defesa. Muito bem, mas, como sabemos, existem outras soluções para resolver um problema desta natureza — veja-se Portugal no campeonato do Mundo ou contra a Espanha na 1/2 final ou mesmo lembre-se a Nova Zelândia de Maertens que tinha em Kronfeld o seu anjo-da-guarda defensor — e a solução utilizada apenas criou maiores custos em relação aos benefícios pretendidos. E o resultado foi a constante impossibilidade de atrasar a rápida subida defensiva georgiana… e a nossa impossibilidade de atacar consistentemente.

c) sabidas as dificuldades que o combate da formação-ordenada iria trazer e porque se tratava da Final Europeia e não de um qualquer jogo com menos preocupações de resultado, talvez esquecer a preocupação da “mudança de ciclo” e procurar saber da disponibilidade de Francisco Fernandes — que tem jogado e bem pelo seu clube na PROD2 — pudesse trazer a experiência e conhecimentos necessários a uma melhor prestação neste domínio que teve a preocupante consequência da perda de 6 em 9 formações-ordenadas a que se juntava a entrega de território pelas penalidades concedidas. E, nesta situação de absoluta desvantagem, que ideia foi aquela de pedir FO próximo da linha-de-ensaio adversária? Não há jogadas preparadas para utilizar nestas situações?

d) Se a escolha do abertura já não garantia necessariamente a fluidez e criatividade que o modelo-de-jogo pede, o facto de haver, sob a pressão e intensidade imposta, dois “desconhecidos” a dependeram um do outro, levou a que a recepção da bola no primeiro passe se fizesse bem longe da linha-de-vantagem, possibilitando à rápida subida defensiva georgiana uma superioridade numérica nos rucks que as colisões criavam com uma de duas situações — atraso na reciclagem da bola, permitindo a melhor organização defensiva georgiana ou conquista do ruck (9 turnovers concedidos);

    e) não deixou de ser estranha a decisão de fazer entrar Lucas Martins para depois o substituir por Marta, numa altura (47’) em que a hipótese de entrada de um abertura de raiz mais do que se impunha…  E assim e de certa maneira lá se deitou por terra a ideia que o banco poderia funcionar como mais-valia…


Com erros estratégicos que provocaram consequências de incapacidades tácticas que impediram — com excepção do último minuto do jogo — a expressão das capacidades dos atacantes portugueses e levaram — para além da continuidade da indisciplina que provoca penalidades a torto e a direito — a erros técnicos que nos colocaram sempre na posição de vencidos, é visível que a preparação do jogo não foi a mais feliz.

Mas a culpa do mau resultado não pode ser atribuída aos jogadores — fizeram o que puderam dadas as circunstâncias —e que apesar dos 4 ensaios sofridos, realizaram 123 placagens com uma taxa de sucesso razoável de 85% (os georgianos obtiveram 88%). 

Num jogo de conquista de território em que avançar no terreno constitui o princípio fundamental de qualquer movimento, continuar a jogar com a preocupação de realizar colisões em ataque — quando as colisões são uma arma defensiva excepto na proximidade da linha-de-ensaio — e que, por não haver hábitos consolidados de jogar dentro da defesa, só levam a facilitar a vida adversária a quem é facilitado o controlo do tempo de reciclagem da bola para uma organização defensiva envolvente mais eficaz. Juntando a isto o factor faltoso, provocando penalidades em cada ida ao solo — atenção árbitros portugueses! — a expressão das capacidades portuguesas de circulação e movimento, ficam muito debilitadas. E é nesses dominios que o nosso jogo assenta: movimento, circulação da bola em continuidade, combinações com linhas de corrida convergentes e divergentes e com dobras com o apoio necessário para garantir a pressão atacante que desequilibra a defensiva contrária. E neste jogo da Final da Rugby European Championship 2024, nada destas expressões se viram. Porque tudo se terá iniciado sem os cuidados necessários que o Alto Rendimento exige, deixando que uma mitológica “mudança de ciclo” se sobrepusesse ao processo… deteriorando o produto. E assim, desde o Mundial, perdemos 3 lugares — passando de 13º para 16º— no Ranking da World Rugby.

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