sábado, 9 de novembro de 2013

DESRESPEITO

No tempo em que eu jogava, não queríamos que houvesse jogos às horas em que a RTP transmitia - com voz do Cordeiro do Vale - qualquer dos jogos do 5 Nações. Ver um jogo daqueles era uma obrigação para todos nós que, para além de gostarmos de jogar, gostavamos muito do rugby. E juntávamo-nos em grupos em casa de uns ora de outros a ver, a vibrar e... a aprender. Porque se aprende muito a ver: tecnica e tácticamente; individual e colectivamente. E aquilo que víamos, tentavamos imitar no treino seguinte - com ajuda de todos porque todos tinham visto. E íamos aprendendo que os franceses fazem assim, que os galeses - e que quinze tinham nessas alturas...- fazem assado. Que a bola isto, a bola aquilo. Que se ataca daqui, que se defende dali. E aprendíamos que é preciso fixar a defesa, correndo em frente antes de passar a bola para o lado, que deslizar na defesa era uma forma de nos multiplicarmos, que havia pontapés atacantes e outros que não passavam de alívios, ou como punham os pés nas formações ordenadas ou como faziam - não havia "levantadores" - o movimento de preparação dos saltos. E percebíamos o combate pela bola e por cada nesga de terreno. Aprendendo tanto jogadores como treinadores. E fazíamo-nos melhores jogadores.

E aprendíamos como se fazia - como diziam os franceses - um "cadrage-débordement" ou uma "troca de pés" com professores tão bons como - numa lembrança breve - Cantoni, Villepreux, Jo Maso, Edwards, Gerald Davies, John Dawes, Barry John, JPR, Phil Bennett, Mike Gibson ou Ian McGeechan. E a placar com os incansáveis Slattery, John Taylor ou Rives. E com tantos outros de quem sabíamos nomes e qualidades. E que, no sonho com que nos queríamos também internacionais, queríamos imitar.
Quando havia jogos internacionais, com Portugal a jogar em casa, a romaria era garantida - todos íamos ver e vibrar com os amigos, com aqueles que víamos a treinar ou com quem treinávamos, que vestiam a camisola nacional. A "nossa" camisola.
Ver jogos ao vivo é muito diferente para muito melhor: percebi isso mesmo na primeira vez que fui a França ver um 5 Nações ao estádio. A dimensão dos homens é "palpável", a velocidade do jogo é perceptível, os contactos mostram-se na sua verdadeira dureza. Ver um jogo internacional ao vivo permite perceber onde estamos e o que nos falta - na televisão, mesmo com a vantagem da repetição, há uma distanciamento que nos afasta da realidade. Às vezes julgamos até que o que vemos é fácil.
Hoje jogam em Lisboa, Portugal - 22º classificado do ranking IRB - e Fiji - 13º classificado do mesmo ranking. Não se pode afirmar que seja um dos melhores jogos do mundo mas é um jogo disputado por duas equipas que se encontram no quinto superior do ranking mundial de 100 equipas. Não sendo um França-Nova Zelândia - 3º lugar e 1º lugar do ranking IRB respectivamente - também não é nada de deitar fora. E alguns dos jogadores presentes jogam nas melhores equipas da Europa. A começar pelo português Julien de Sousa Bardy um dos melhores "asas" do campeonato francês e a quem vimos um excelente ensaio no passado sábado a que se juntam fijianos que fazem nome por essa Europa..
Perder a oportunidade de ver estes jogadores a jogar, para além do pretencioso, é um erro. Porque é não querer aprender com quem faz melhor. Perder a oportunidade de ver como resolverão os portugueses as dificuldades que irão, certamente, encontrar é não querer saber do caminho de desenvolvimento necessário ao progresso. 
Os clubes portugueses, ao marcarem os seus jogos para horas simultâneas com o jogo de Portugal ou para horas que impedem os seus jogadores de estarem presentes no Estádio Universitário de Lisboa é um erro grave. Pelo que limitam à visão dos seus próprios jogadores e pelo que representa de desrespeito pelo papel fundamental que as selecções nacionais representam no desenvolvimento e atracção da modalidade.
Não permitir que a comunidade rugbística portuguesa esteja presente neste Portugal-Fiji distancia o rugby português do Desporto para o colocar na campo das Actividades. É reduzir o rugby português a um jogo do quintal das traseiras. A um muda-aos-cinco-e-acaba-aos-dez

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