quinta-feira, 16 de março de 2017

DE OLHOS NO JOGO DECISIVO

Num jogo que não pode - pela diferença notória de capacidades - ser qualificado de competitivo, o XV de Portugal, sem recorrer a qualquer dos seus membros da "armada profissional", venceu a Moldávia por 59-0 com a marcação de 9 ensaios. No entanto e pese a vitória e a diferença "de 15 ou mais pontos de jogo", Portugal não somou quaisquer pontos - porque, jogando em casa, tem uma diferença de dez ou mais pontos de ranking sobre o adversário - e o jogo serviu para pouco.

Dos nove ensaios marcados apenas um - o 3º - mostrou o caminho daquilo que devem ser as preocupações do modelo português: apoio e continuidade em velocidade, ataque aos intervalos, mudanças de ângulos de linhas corridas com passes em carga (off-loads) e rapidez na reciclagem e relançamento. A jogada começou no 1/2 campo de Portugal e teve 3 fases - qualquer delas sem paragem que permitisse a reorganização defensiva - com 3 ultrapassagens da Linha de Vantagem (verticalidade portanto e não jogo lateral) e 12 passes com a particularidade da equipa se encontrar com 14 jogadores. Mas foi a única genuína construção - o restante dos ataques bem sucedidos foram mais por culpas da (des)organização defensiva dos moldavos do que da construção portuguesa - porque, verdade seja dita, a Moldávia - basta saber a forma como constituiu a equipa - não tem qualquer nível competitivo no rugby. E houve ainda muitas falhas - sempre que a necessidade do jogo obrigava a acelerações eram visíveis as dificuldades técnicas de execução ou de abertura de linhas de passe eficazes - e demasiadas penalidades. Ou seja, sempre que se pretendia sair do conforto habitual que nos proporciona o nosso campeonato, havia falhas - como demonstra o facto de, na quantidade de posse da bola, ter havido apenas uma diferença de 10% - Portugal com 55% e a Moldávia com 45%.

Para além de picar o ponto no calendário, o jogo não serviu para mais nada - não por culpa da equipa portuguesa e dos seus jogadores mas porque o adversário a nada obrigou que preparasse a nossa selecção para maiores exigências. E era bom que não fosse assim. Porque desenganem-se aqueles que julgam que estamos a fazer uma época formidável: não estamos! Estamos apenas, se não deixarmos que o fumo da percepção se sobreponha à realidade, a fazer uma época normal plena de resultados esperados - 83%, conquistando, com as 6 vitórias conseguidas, 4 posições e 4,58 pontos de ranking -  com excepção do resultado contra a Bélgica em Novembro que, de acordo com a teoria, terá sido um resultado inesperado uma vez que a obrigação de vitória, por mais elevada pontuação no ranking e na altura, estaria do lado belga.


Mas a vitória tem, para além da pouca coesão mostrada pela equipa belga, uma explicação que retira o inesperado da situação: a Bélgica jogou, nas duas épocas anteriores, nesta mesma III categoria e, por isso, o seu nível estabeleceu-se alinhando por baixo; Portugal chegava com outros hábitos - anos da categoria acima - e outras capacidades. E a diferença foi, inicialmente, evidente, chegando para uma vitória por 26-21 mas com um último quarto de aflitos e sem marcação de pontos na 2ª parte. E a 20 de Maio vai ser diferente: a Bélgica com hábitos mais competitivos (mesmo se só com derrotas) e Portugal com um nível de hábitos mais baixo (mesmo se só com vitórias) e portanto com prováveis maiores dificuldades para suportar o ritmo de um jogo decisivo. O que significa a necessidade de criar condições que permitam uma presença ao mais alto nível das capacidades competitivas do colectivo da selecção portuguesa no provável jogo de barragem em Bruxelas. O que exige atenção e, muito provavelmente, alterações por forma a libertar jogadores das suas obrigações com os clubes.

O australiano Eddie Jones, treinador da Inglaterra, deixa o recado:"Podem jogar rugby pelo clube 365 dias por ano mas o rugby internacional é mais rápido, tem maiores acelerações, a velocidade de corrida é superior e é preciso recorrer a formas diferentes de treino para o rugby internacional". Este conceito, embora dirigido ao nível mais elevado da competição internacional serve, na sua relatividade, para qualquer dos níveis - o nível internacional é sempre superior ao nível competitivo interno. E é por isso que os jogadores portugueses sempre que necessitaram de acelerar cometeram erros técnicos - gestos desadequados - e tácticos - má posição, má linha de corrida ou mau tempo de chegada. E para o modificar é preciso tempo de treino disponível. Para bem do rugby português porque, como afirma o capitão, Seam Armstrong, da selecção alemã: "A única maneira para ter sucesso a curto-prazo [no desenvolvimento da modalidade] é ter uma selecção nacional que empurre e eleve o perfil da modalidade." Ou seja e ao contrário daquilo que o sistema desportivo português procura impôr: que se desenvolva a qualidade primeiro para poder atingir, posteriormente, a quantidade. Como é aliás procedimento normal em qualquer actividade que procura alargar a sua influência.

Agora falta apenas um jogo do grupo contra a Ucrânia que se tem mostrado como a mais fraca das equipas deste grupo - com 20% de quota de pontos marcados e 6 ensaios a favor contra 23 sofridos, contra 40% de quota de pontos marcados e 13 ensaios a favor contra 20 sofridos da Moldávia - e que nos deve preparar para o jogo mais importante da época a 20 de Maio - provavelmente contra a Bélgica a quem não se vê possibilidades de derrotar a Espanha em Madrid e em jogo que deve ser atentamente analisado - e libertarmos-nos de vez desta inacreditável III divisão da Rugby Europe. Porque estar aqui e nestas companhias, não nos serve, nem para o desenvolvimento, nem para aumentar a atractividade do nosso rugby.

Aliás a Rugby Europe tem, forçosamente, de olhar para o estado de não-competitividade destes grupos abaixo do Championship - não têm qualidade e provocam distorções óbvias no sistema de ranking. Não por o método adaptativo do ranking estar errado mas sim porque as competições são, para algumas equipas muito desequilibradas - e não basta a preocupação a exigir a abertura da porta do 6 Nações. É preciso, para que o rugby europeu se desenvolva competitivamente e não através de números de primária caça ao cheque, reformular muita coisa, utilizando leis e conceitos desportivos e não meros passos de marketing - como é possível considerar que uma equipa que, no ano em que se encontra na IV divisão europeia, pode, pelo menos no plano teórico, ter acesso ao Mundial? Só a brincar, só para obrigar a mais um jogo de resultado esperado, só para perder tempo sem ganhos para ninguém! Porque para desenvolver o interesse pelo rugby vale 80 minutos sem continuidade!

Como se pode ver no quadro seguinte, uma equipa como Portugal e na III divisão consegue, com as mesmas 4 vitórias, mais pontos de ranking do que equipas em níveis superiores. E no caso das últimas classificadas, a situação é idêntica: quanto pior o nível maior o número de pontos perdidos. Alguma coisa está mal e, repete-se, não é o método mas o desequilíbrio competitivo.

Ora esta situação e as suas consequências devem ser analisadas e servirem de base para as alterações necessárias, dando aos grupos um superior equilíbrio competitivo com as vantagens do aumento do interesse do público. Como aliás o desporto americano tem demonstrado ao longo dos anos.

Conclusão: O European Trophy é, ao nível do rendimento desportivo, um desastre e não ajuda nem ao desenvolvimento nem à atractividade do rugby português e, pelo contrário, contribuirá, se não lhe fugirmos, para a sua degradação e desinteresse. A ideia do rugby como convívio não é desinteressante desde que, como descobriram todas as principais potências rugbísticas, dentro do campo a qualidade dos jogadores e das suas acções se imponham. Como também se sabe, não há desenvolvimento sem resultados - a qualidade é prioritária sobre a quantidade como resulta da evidência de qualquer sucesso - e assim é necessário que ultrapassemos esta fase tão rápido quanto possível, isto é, que a Selecção de Portugal vença o jogo de barragem do próximo dia 20 de Maio. O que exige que sejam criadas as condições necessárias para que a equipa não perca esta oportunidade de relançamento. Porque o rugby português não resistirá muito tempo à manutenção na III divisão. 


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