domingo, 19 de março de 2017

TANTOS VALORES PARA UMA VERGONHA

% de Quota de pontos do vencedor estabelece o nível da vitória traduzível pela diferença de pontos marcados
Na última jornada do 6 Nações 2017 e nos jogos França-Gales e Irlanda-Inglaterra a pintura de uma modalidade pretendida como carregada de valores que a distinguem de todas as outras, saiu borrada. E saiu também porque de tanto se falar na excelência dos valores, acabámos por ficar tão embrenhados no conceito - nascido da visão aristocrática de que as regras, somos nós que as definimos e impomos - que não estamos preparados para lidar com as circunstâncias, acabando por encontrar justificações para o injustificável e explicações superiores para aquilo que não ultrapassa a baixeza e a mediocridade comportamental.
O Rugby é um Desporto, ponto! Não é uma escola de virtudes morais e éticas acima de qualquer suspeita como se pode perceber de cada vez que se vai a um campo e se percebe ser a mãe do árbitro a figura mais popular do jogo. É um Desporto e os seus valores centram-se nos valores desportivos: desportivismo, respeito, disciplina, responsabilidade, lealdade. E a solidariedade é um princípio importante a respeitar porque no desporto, como no tango, precisámos uns dos outros para que haja jogo. E por mais que os marketeers se esforcem por vender outros valores especiais e específicos, só nossos, não os reconheço ou consigo encontrar. Neste meu blogue junto à sua marca XV contra XV, uma série de valores que considero integrarem o jogo de Rugby, mas não os considerando como exclusivos - os outros desportos também vivem com eles.
E não há diferenças para os outros desportos? Claro que há, mas essencialmente porque o Rugby tem características próprias que o marcam e formatam e é marcado por um espírito de equipa essencial. Porque é um desporto colectivo de combate! O que faz toda a diferença que determina e exige tipo de comportamentos específicos que garantam a protecção, seja por exageros acidentais ou voluntários, da integridade física dos jogadores em confronto pela bola e pelos centímetros do terreno. E por isso as Leis do Jogo do Rugby estabelecem normas que são diferentes dos outros desportos. Não porque seja "especial" mas sim porque é diferente e porque as suas características exigem que a autoridade do árbitro - para salvaguarda dos jogadores - seja inquestionável. Tão inquestionável como noutros Desportos de Combate...
Ora o que acontece é que esta pretensão de "especiais e únicos" - que se ouve todos os dias - tem servido para desculpabilizar as mais variadas incorrecções e atentados aos valores que devem nortear o Desporto. Como se o mal que produzem tivesse consequências irrelevantes - por terem sido realizadas sem qualquer ponta de má intenção, entende-se. Mas este fim-de-semana internacional foi pródigo na negativa da sua demonstração.
No Irlanda-Inglaterra, Sexton foi, com o árbitro Jerôme Garcés distraído na crença da impossibilidade de deslealdades por parte de rugbistas, um alvo definido pelos jogadores ingleses com o objectivo de lhe diminuirem capacidades (suficientes para fazerem dele o portador da camisola 10 dos Lions) e que se serviram - numa demonstração de falta de desportivismo e respeito - da violência física provocada por placagens fora-de-tempo ou "limpezas" fora das leis. E pouco importa se elas foram "quase em-tempo" ou porque o prevaricador já iria lançado: as consequências são as mesmas e o jogador atingido não viu qualquer protecção à sua integridade física e não é admissível que se permita transformar qualquer jogador em alvo de feira.
Bom exemplo de Garcés e ao contrário destes foi a penalidade marcada à Irlanda por um dos seus jogadores ter placado um jogador inglês que se encontrava no ar. E isto apesar do jogador inglês ter saltado para receber um passe de um companheiro e não estar a captar qualquer pontapé adversário. A lei é clara: um jogador que esteja no ar, isto é, com os seus pés não assentes no chão, não pode ser placado, é intocável. E sendo-o por razões de protecção da sua integridade física uma vez que se encontra fisicamente desprotegido - como aliás sempre que sujeito a placagens tardias - o árbitro francês não teve dúvidas sobre a marcação da falta. Exemplo a reter.
Já no França-Gales as faltas ao desportivismo, à disciplina e ao respeito foram mais do que suficientes para deixar o inglês Barnes - para além de espectadores, dirigentes, treinadores e jogadores - em maus lençóis. Um fartar vilanagem, dir-se-ia. 
O árbitro Barnes esteve mal ao não atribuir ensaio de penalidade favorável a Gales por falta propositada do ponta Vakatawa que só viu "amarelo" - amarelo que deveria ter sido mostrado a Liam Williams por motivo anteriormente semelhante (apenas o "adiantado" provocado por Halfpenny terá sido acidental). O árbitro inglês - de quem tenho a dificuldade de esquecer a trapalhada do França-Nova Zelândia de 2007 em Cardiff - perdeu-se completamente no final do jogo que deverá ter atingido um recorde com os 100 minutos de formação ordenada em formação ordenada por faltas galesas propositadas e que deveria ter tido um epílogo longe dos vinte minutos de "prolongamento" com a marcação de ensaio de penalidade e vitória francesa mais cedo do que veio a acontecer.
Mas os espectadores do Stade de France não foram melhores e deram permanentes provas de má-educação, com demasiado barulho a cada pontapé de tentativa aos postes de Halfpenny. Faltando claramente ao respeito devido e que gostámos de dizer ser apanágio do Rugby.
E que dizer de um jogador francês que terá mordido o braço de George North e de que as câmaras televisivas só puderam mostrar um ângulo - quantos ângulos nos são mostrados para perceber de um pisar de linha? E numa demonstração antidesportiva, na posterior conferência de imprensa, Guy Novés - seleccionador/treinador francês - teve a desfaçatez de insinuar que o galês se teria mordido a ele próprio… Bonito e próprio!
E pior, muito pior, quando um senhor francês - que Barnes considerou "medic" (título que também tenho em diploma passado pela Ruby Union) - e que à pergunta sobre se Antoni estaria afectado por “pancada na cabeça” respondeu afirmativamente mal percebeu que assim poderia substituí-lo - naquele final de formação sobre formação - por um anteriormente já substituído (Slimani) mas, por casualidade, considerado como o melhor pilar francês e que se reaquecia junto à linha. Uma vergonha que tem um nome: fanática vigarice.
Não deixando saudades estes jogos finais do Torneio das 6 Nações violaram o conceito de Desporto que aprendi ainda na infância: é mais honroso uma derrota, por pior que seja, do que uma vitória com batota.
O Rugby, dispensando fanáticos, necessita sim de gente bem-formada e capaz de defender os bons princípios que o integram em vez da defesa acrítica e cega de uma exclusividade de valores para fechar os olhos à realidade dos comportamentos. O que se passou nesta última jornada do 6 Nações 2017, pondo em causa os valores desportivos e a decência que o Rugby exige, não me deixa tranquilo.

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