quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

FRENCH-FLAIR, O QUE É?

Vídeo produzido por La Charniére e obtido no Youtube que nos mostra a eficácia da cultura francesa do French Flair. Neste vídeo podemos ainda recordar, numa merecidas homenagem, o notável jogador que foi Christophe Dominici, recentemente falecido. 

"Recusa do jogo?* Pierre Villepreux

Esta coluna foi escrita antes do jogo da França contra a Inglaterra na final da Taça outunal. As minhas observações, portanto, não levam em consideração este jogo. Por outro lado, os jogos anteriores, Escócia - França e França - Itália, devido à pobreza (indigência) do jogo produzido não deixam de me questionar. Compreendo que o rugby está sujeito às forças de mudança e às formas de jogo de outras culturas, o que implica que os treinadores proponham reciclagens táticas e técnicas permanentes. Desde que Fabien Galthié assumiu o cargo, se exceptuarmos estes dois últimos jogos, a construção do rugby procurado parecia-me estar a caminhar na direcção certa. Além disso, os jogadores e a equipa técnica mostravam orientar-se para um rugby baseado no movimento que combina eficiência, prazer e espectáculo. Escrevi na minha anterior coluna que os conteúdos dos jogos respondiam à procura de um jogo total. 


Certamente que faltava estabilizá-lo e ... enriquecê-lo, valorizando-o com um somatório de iniciativas a serem tomadas em áreas de terreno consideradas "de risco". Parece-me que estimulá-lo teria sido mais motivador do que bani-lo. Critério este que não quer dizer que se deva jogar todas as bolas, mas sim que não se excluam  sistematicamente as opções favoráveis ​​que surgem ou se criam quando, nestas áreas, a relação de forças entre o ataque e a defesa se mostra vantajosa. Esta vontade de melhorar dado o potencial dos jogadores de alto nível atualmente disponíveis e tendo em vista as ambições do Mundial de 2023, fazia sentido. Cada um, na continuidade, pode basear-se nas aquisições anteriores, nos parâmetros e nos princípios comuns, a fim de assegurar a coerência efetiva das ações coletivas. Refiro-me à concepção de acção coletiva que se baseia na leitura do jogo e na melhoria progressiva da resposta adaptada pela utilização de todas as possibilidades de acção, formas de jogo e a sua alternância. O rugby mostra a sua riqueza precisamente nesta implementação inteligente da alternância das formas de jogo com as mãos e com os pés. Indispensável para garantir a beleza e o interesse do espetáculo.


Curiosamente, frente à Escócia e à Itália, o tipo de jogo anteriormente visto (País de Gales e Irlanda), que poderia e deveria ter sido utilizado como trampolim, deu lugar a uma estratégia restritiva de excessivo jogo ao pé. É pena deitar fora o que anteriormente funcionou bem para optar, por uma questão de eficácia e resultados, por devolver a bola ao adversário com o efeito imediato de perder a iniciativa de jogo. Fiquei surpreso e desiludido com esta opção. De facto, quando o objetivo estratégico muda radicalmente de base de orientação, como foi o caso nessas duas partidas, existe o risco da forma de jogar acabar taticamente indigente. É também criar um contexto onde os jogadores irão manter uma certa reserva e evitar envolver-se com confiança num jogo mais ambicioso, ignorando assim os desafios que o jogo na sua complexidade desenvolve e que devem ser aceites.


A França não foi a única a colocar essa estratégia em prática. Esta tendência também se confirmou, mais ou menos, na produção dos demais jogos que nos propôs esta Taça do Outono. Ingleses, galeses e irlandeses, a níveis diferentes, não se afastaram dele. Temo que este tipo de prioridade tática excessivamente programada que escolhe um rugby de sistemática conquista de terreno nos conduza a um jogo desinteressante e enfadonho para quem assiste ou o joga. O sistema profissional de alto nível (em primeiro lugar as seleções) deve conciliar resultados e espectáculo. Esta "recusa do jogo" assumida pelos Tricolores que parece garantir mais facilmente a vitória (isto ainda terá que ser verificado) é, no futuro, premonitório do rugby ping-pong vislumbrado na final Inglaterra - África do Sul do Mundial de  2007? Esse estilo foi, não o esqueçamos, muito difamado na época. Outro efeito perverso e não dos menos importantes, é que este lugar dado ao jogo de pontapés ao mais alto nível irá influenciar logicamente a base do rugby. Pior ainda, a formação dos jovens nas escolas de rugby será afetada. Uma representação de jogo prejudicial, que vai contra o conceito catalisador dos objectivos da formação,  nomeadamente a apropriação da oportunidade de inteligente jogo ao pé com propósitos de recuperação na sua relação com o jogo à mão que deve continuar a ser a prioridade no ensino do jogo.


Finalmente, se aceitarmos que "o jogo pertence aos jogadores", surge o problema da liberdade dos jogadores para se livrarem da camisa estratégica de forças prescrita. Isso significaria, ou que eles não seriam capazes de produzir colectivamente reações adaptativas às situações defensivas que surgissem - afirmação que não é sustentável, pois já demonstraram saber fazê-lo anteriormente - ou que lhes faltam personalidade para fazer face às superiores exigências do jogo, o que colocaria em qualquer dos dois casos um problema de formação.


Dito isto, espero que esta jovem equipa de França, precisamente porque inexperiente neste aspecto, saiba contrariar o alarmismo subjacente às minhas observações."


*texto in Midi Olympique de 7 de Dezembro de 2020, tradução do editor.


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