quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

O ÁRBITRO-AUXILIAR NÃO É O TMO


O árbitro assinala um ensaio favorável ao CDUL

O árbitro anula o ensaio marcado por indicação do seu auxiliar
No jogo Direito - CDUL a contar para a 1ª jornada do Campeonato Nacional da Divisão de Honra, Grupo do Título, o árbitro internacional, Paulo Duarte, em cima da jogada como lhe compete, assinalou um ensaio favorável ao CDUL. Por indicação do seu auxiliar que o alertou para um adiantado voltou atrás na sua decisão, anulou o ensaio e marcou formação-ordenada favorável a Direito. Tudo pareceu correcto, Houve uma falta que o árbitro não viu e, seguindo a opinião do seu auxiliar, alterou a sua decisão e anulou o ensaio. A verdade desportiva estava salvaguardada! Estaria?! A decisão, pensa-se, foi correcta porque o ensaio foi precedido de falta... Não, não foi. A realidade é outra: foi um erro e grande!
Existem dois conceitos conhecidos que se usam para aplicação das leis e que também se aplicam à arbitragem desportiva. Um é o velho dura lex, sed lex — conceito latino que significa a lei é dura mas é lei — e outro que a Juíza do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, Sonia Sotomayor, enunciou assim: A tarefa de um juiz não é fazer a lei, é aplicar a lei.
Pois ao árbitro desportivo compete aplicar a lei por mais dura ou injusta que possa parecer sem outras preocupações que não sejam a realidade factual da aplicação das Leis do Jogo. 
E que dizem sobre este assunto da alteração da decisão do árbitro —  uma vez que o TMO (Television Match Official) não se aplica em Portugal — a Leis do Jogo em vigor? Vejamos:
DEVERES DO ÁRBITRO DURANTE O JOGO

5. Dentro do recinto-de-jogo

 

a. O árbitro é o único juiz das questões de facto e da aplicação das Leis de Jogo e deve, em todos os jogos, aplicá-las correctamente.

[[    […]

COORDENAÇÃO DA EQUIPA DE ARBITRAGEM

13. O árbitro poderá consultar os árbitros assistentes sobre assuntos relacionados com as suas funções, sobre a lei relacionada com Jogo-Desleal ou sobre uma questão de cronometragem do jogo e poderá pedir auxílio relacionado com outras tarefas do árbitro.

14. O árbitro pode alterar uma decisão sua quando:

            a. se apercebe que um árbitro assistente ou um juiz de linha, deram indicação de “bola fora” do campo-de-jogo;

            b. um árbitro assistente assinalar Jogo-Desleal.


De acordo com o ponto 5, DEVERES DO ÁRBITRO DURANTE O JOGO da Lei 6, EQUIPA DE ARBITRAGEM, o árbitro é a autoridade maior dentro do campo. Assim sendo, é dele a última decisão em cada e qualquer momento. Mas pode consultar os seus auxiliares? Pode, mas não de qualquer modo e sim de acordo com os procedimentos estabelecidos no ponto 13 da COORDENAÇÃO DA EQUIPA DE ARBITRAGEM que determina que a acção de pedido de assistência seja da responsabilidade do árbitro. Esta acção de pedir assistência conjuga-se com o ponto 14 que estabelece só poder o árbitro voltar atrás numa sua decisão por proposta dos seus auxiliares quando se trata de uma ou ambas de duas: bola fora ou jogo desleal. Ou seja: o árbitro pode consultar os seus auxiliares a seu próprio pedido e antes de qualquer decisão, com excepção dos dois pontos referidos de bola fora e jogo desleal onde a opinião do auxiliar tem um peso que, não sendo imperativo — o árbitro pode alterar — é de considerar.


Então não pode atender à correcção de um auxiliar para garantir a verdade desportiva? Pode, mas só se tiver seguido o procedimento que as Leis do Jogo determinam: antes de tomar e mostrar pública a sua decisão, o árbitro, numa situação como a que aconteceu e que raras vezes tem uma garantia de certeza absoluta, deve consultar o auxiliar — e na maior parte dos casos uma mera troca de olhares basta — e acordar a decisão. Mas... depois da tomada de decisão arbitral não há retorno, excepto pelos dois casos referidos nas Leis do Jogo.


Portanto, a decisão de anular o ensaio com base na existência de um adiantado verificado pelo árbitro-auxiliar depois de uma primeira decisão publicamente visível constitui, por muito que possa custar a uma visão descontextualizado do Rugby, um erro técnico que viola o estabelecido nos pontos 13 e 14 da Lei 6. E é tão grave que poderia ter levado a um protesto por parte do clube prejudicado que poderia, por sua vez, levar à necessidade de repetição do jogo. 


Por mais dura que possa parecer, a lei deve ser aplicada de acordo com as suas exigências e ninguém pode — porque, isso sim, violaria a ética do espírito desportivo — fazer lei à medida dos acontecimentos de um jogo. Porque as Leis do Jogo são o ponto de encontro comum dos intervenientes e o garante do princípio desportivo da igualdade de possibilidades.

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