terça-feira, 29 de agosto de 2023

DESAPOSSAMENTO, UMA VANTAGEM?

Neste final de jogos de preparação uma boa observação pode permitir obter dados muito interessantes para procurar perceber os caminhos actuais do rugby e que tácticas estarão a ser preparadas para o percurso garantido a cada equipa de quatro jogos em cada grupo.

Comecemos por olhar para as estatísticas do Nova Zelândia-África do Sul. Se alguém que não tivesse visto o jogo nem soubesse o resultado final e olhasse, num relance, apenas para as folhas das estatísticas do jogo apostaria, dobrado contra singelo, que o vencedor teria sido os AllBlacks. Com excepção dos alinhamentos de responsabilidade própria onde perderam 5 lançamentos, dos turnovers (1 ganho contra 6 do adversário) e dos metros conquistados (456 contra 543), todos os outros índices foram superiores aos sul-africanos. Desde a Posse ao domínio do Território, á eficácia de placagens (79% contra 75%) ou das formações-ordenadas (89% contra 80%), bem como as ultrapassagens da linha-de-vantagem, as vantagens dos AllBlacks — como nos 165 passes contra 101 sul-africanos — foram quase totais. Então, como perderam, sofrendo 5 ensaios e marcando apenas 1 nessa inacreditável pecha de 1,4% de eficácia do uso da bola? O que terá acontecido?

Um ponto decisivo foi a indisciplina: 14 penalidades cometidas com dois amarelos e um vermelho a resultarem em 8’ com 13 jogadores e 44’ com 14. Mas, por outro lado e porque não se notou qualquer especial desespero quer no campo, quer na bancada técnica — vejam-se os comentários finais de Ian Foster — desconfio que os erros e inconsequências (mesmo as faltas) nada habituais em jogadores AllBlacks eram esperados contra um adversário da envergadura dos sul-africanos porque se podem dever ao facto de estarem sob o efeito da sobrecarga de treino— esse vergar da mola que permite a sua “explosão” na altura pretendida — perdendo a lucidez — pelo cansaço e falta de oxigénio — de análise e de decisão mas que os libertará para a condição óptima no início do Mundial. Teremos a certeza do sim ou do não no dia 8 de Setembro. Mas é um palpite…Sendo outro palpite também com base neste jogo de que a África do Sul é um dos reais candidatos à renovação do título — lembre-se que a África do Sul é, até 7 de Setembro, a actual campeã do Mundo e agora com um modelo de jogo, menos de colisão, e mais de movimento — o que é bom para nós, espectadores — e ainda uma bela organização defensiva com subidas rápidas a permitir cunhas — explorando muito bem a lentidão demonstrada pelos neozelandeses — e interceptar movimentos adversários.E com isso foram dois ensaios…


Veja-se, no quadro acima, que, curiosamente, as equipas vencedoras tiveram menos posse de bola e menos domínio territorial do que as derrotadas. Mas e por outro lado, as mesmas derrotadas tiveram mais ultrapassagens da linha-de-vantagem do que as vencedoras, resultando, como é natural, numa muito má eficácia de uso da bola (% de ensaios sobre ultrapassagens da LV) — veja-se que os vencedores inesperados como a África do Sul e Fiji tiveram, respectivamente, 9,8% e 5,8% de eficácia de uso e a Itália conseguiu uns muito bons 10%. A França, apesar do embandeiramento em arco da comunicação social francesa, conseguiu um 4,9% de eficácia mas deixou-se apanhar em 3 ensaios com a gravidade da relação negativa da posse ter sido provocada e ser um seu objectivo táctico. É a tal dépossession (desapossamento) através do jogo-ao-pé que o Fabiem Galthié tem implementado.

Portanto e para além duma terceira-linha constituída por 4 elementos (os 3 habituais mais o talonador) já facilmente reconhecível no sistema 2-4-2 iremos juntar nas novidades tácticas o conceito galtiano de que “ao nível internacional é quase sempre a equipa que mais usa o jogo-ao-pé que ganha!” e que tem sido adoptado por outras equipas — como se pode ver na tabela acima pelo número referente a pontapés (onde a coisa só não correu bem à Inglaterra que, na maior parte das vezes, despachou a bola ao pé e não a jogou) que cada vez mais procuram tirar partido do desapossamento, “entregando” a bola ao adversário — procurando, naturalmente, colocá-la atrás dos defensores — na tentativa de poder conquistar terreno por impossibilidade dos recuperadores que, caso o acompanhamento da bola pelo ar seja bem feito, de forma organizada, bem distribuída e a diminuir opções, poderá obrigar a outro chuto, entrando-se no designado ping-pong que não tem que ser — como a grande maioria das bancadas pensará — uma fase sem sentido mas ser um momento do jogo em que a leitura das situações é crucial para que se consiga a vantagem pretendida. E isso também é muito interessante de ver e analisar. Toma lá, dá cá com parecenças de anarquia mas, nas boas equipas, a organização está lá para que a transformação se possa dar. E neste campo a França tem um tamanho de avanço sobre as outras equipas.

Sendo certo que o jogo-ao-pé vai ter uma importância muito grande no exercício táctico das equipas, é necessário que a arbitragem seja rigorosa e coerente. Árbitros sem rigor no fora-de-jogo sobre o jogo-ao-pé, deixando que os companheiros do chutador possam ficar parados e não recuem, esperando que chegue alguém que os coloque em-jogo, retirando assim espaço e tempo para que os recuperadores possam organizar o seu contra-ataque, favorecendo, obviamente, uma das equipas e colocando a outra numa situação muito difícil. Ora a existência de dois árbitros-assistentes, desde que percebam que o erro nestas situações desvirtua o jogo e a sua verdade desportiva, permite a ajuda necessária para que o árbitro principal tome as correctas decisões. É uma exigência que os modos de jogar actuais obrigam.

Nestas duas semanas que nos separam do início do Mundial teremos tempo de procurar perceber que inovações tácticas surgirão no desenrolar do Mundial e com que adaptações. Facto, facto, parece ser o de que o Mundial, pelo que se tem visto, vai ser interessante e com alguns jogos, logo no desenrolar dos grupos, sem vencedor antecipado. Portanto ou por cá e agarrrados à televisão ou por lá, sentados na bancada, serão quase dois meses de entretém da modalidade que gostámos! Aproveitemos!

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