domingo, 23 de outubro de 2011

O DIABO NOS PORMENORES

O Cisne Negro - que Nassim Taleb caracteriza como inesperado, catastrófico e posteriormente previsível, mesmo facilmente explicável - de Gales foi aquele falhanço, aquela escorregadela, de James Hook que não transformou um pénalti contra a França. O aviso vem do corolário da Lei de Murphy - quando a pressão aumenta, shit happens - e o homem mostrou, com os outros falhanços, não ter perfil psicológico para toda a areia que a camioneta de chutador exige. E como é fácil perceber e explicá-lo depois: porque não consegue a concentração exigível, porque a linha de corrida é desequilibrada, porque a esquina é demasiado prolongada. Fácil mas factual: foram os pontapés que impediram que Gales estivesse na final.

Porque no resto estiveram bem (vá lá, excepto quando os dois centros galeses se deixaram enganar pelo isco do aparecimento de O'Connor e abriram uma auto-estrada de bandeira para o ensaio de Barnes).   O diabo está nos pormenores, diz-se. Os pormenores, em jogos de bota-fora(1), são o diabo. E foram, se tivermos - como tenho - o ponto de vista galês. E pormenor foi também o facto de bola ter sido passada para a frente no ensaio de Shane Williams (que raio de pormenor aquela tentativa de ressalto...). Foi passada para a frente mas só é visível quer pela televisão - fácil, facílimo - quer por um observador parado na linha de passe. Acontece que tudo estava em movimento: árbitro, árbitro auxiliar vulgo juíz-de-linha, jogador receptor e mais importante de tudo, o portador da bola quando parou, derrubado por adversários, já se encontrava á frente da linha de recepção - impossível de ver no momento. Um simples erro de paralaxe (já agora: no outro momento parecido e da responsabilidade australiana não, era fácil de verificar, não havia movimento do passador ou do árbitro).  

No nível elevado do alto rendimento onde o rugby do mundial se encontra é preciso, para vencer, garantir que os chutadores da equipa serão capazes de transformar em pontos as faltas adversárias - e é preciso que a equipa adversária reconheça isso e que tenha dúvidas sobre as vantagens das suas faltas. Só assim as defesas serão obrigadas, não podendo arriscar em demasia defensivamente, a deixar os intervalos por onde será possível perfurar para impor o jogo entre-linhas. Não ter um chutador capaz no alto nível é queimar baterias sem fazer a máquina avançar.E foi por isso que, entre aqueles galeses que não puderam estar presentes no jogo das meias-finais e do terceiro/quarto lugar, o maior ausente foi o jovem e notável abertura Rhys Priestland. A falta que ele fez...   No jogo da final se for verdade que o melhor ataque é a defesa, os neozelandeses vão sofrer muito para serem campeões do mundo. A França ainda não sabe bem como pode entrar em campo para disputar a final: nunca jogou grande coisa e teve a sorte dos números que fazem a chave da vitória. E uma coisa é certa: para aquele grupo de experientes jogadores, moldados num campeonato onde a derrota pesa muito mais do que a falta de pontos, estar na final é um euromilhões - e oportunidades, eles sabem, não se deitam fora.   E se os All-Blacks jogarem? se acharem que precisam da bola, que precisam de conquistar e manter território e que, no final do dia, o que contam são os pontos marcados - garantem ter aprendido a lição de 2007 quando na meia-final deixaram os pontapés de ressalto no balneário - a experiência dos franceses apenas servirá para limitar os prejuízos.

Mas os All-Blacks terãoque jogar bem e muito... o que é bom para o jogo e para nós, espectadores.  
(1) - a forma popular que conheço desde sempre para designar jogos a eliminar é bota-fora
e nunca o mata não sei quantos que, para além do mau gosto, é pouco desportivo.

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