Realidade. As zonas cinzentas das Leis de Jogo continuam a permitir que sejam os árbitros os maiores construtores de resultados. Não por culpa própria mas porque a falta de clareza na definição do jogo no chão e das suas irregularidades transformam esta área do jogo num espaço de quase livre-arbítrio, i.e. num espaço de presunção interpretativa ao contrário do espaço de aplicação legal que deveria ser. Disto mesmo, da falta de precisão legal e consequente influência das interpretações no resultado final, dei conta ao Raul Martins – representante da FIRA na IRB – e a Bill Beaumont – antigo vice-presidente e actual membro da IRB – com quem assisti ao Portugal-England Students. Mantendo-se a dúvida de pouco vale achar que os árbitros isto ou aquilo. A lei do jogo no chão deveria ser tão clara como isto: jogador placado tem que largar a bola de imediato e só então o placador é obrigado a largar o placado. Acabando-se assim de vez com o mito dos “direitos do ataque” com a pretendida vantagem para garantir a continuidade do jogo – mito responsável por vários erros interpretativos de árbitros, jogadores, treinadores e espectadores. Dir-se-á: mas assim a bola ficará muitas vezes presa entre os dois jogadores. Pode ser, mas pergunto: e a culpa é do defensor?
A prisão da bola no jogo no chão – só no chão existe placador e placado – existe mais por demérito do placado – o portador da bola – do que como resultado da acção do placador. Porque é o portador da bola que a coloca entre os dois jogadores. E chega-se assim a uma primeira constatação e de que o jogo de Portugal-England Students foi exemplo. A maioria dos jogadores – de ambas as equipas e principalmente na pretensão da passagem em força – transportam a bola na frente e na altura do contacto a bola deixam entre os dois jogadores e a princípio da continuidade fica logo prejudicado. Porque o gesto técnico é errado! Ensina-se, ou deve ensinar-se, que, nas situações de contacto, a bola deve estar sempre afastada do adversário defensor. Dir-se-á que é difícil e que muitas vezes ao fazê-lo se fica numa posição vulnerável. Admito, mas então use-se o gesto técnico, dando as costas, da rotação e da colocação do tronco entre a bola e o corpo do adversário…garantindo, muitas vezes antes de chegar ao chão, a continuidade do jogo através do passe. Situação que, sendo alinhada com o conceito de que “o rugby joga-se de pé”, exige o conhecimento táctico de que a ida ao chão do atacante constitui uma óbvia vantagem para a defesa.
Segunda constatação: o cinco-da-frente e o abertura. A relação entre a capacidade e eficácia do cinco-da-frente e a forma de jogar do abertura pode parecer deslocada mas é directa. Porque se o cinco-da-frente é dominador, o abertura pode jogar quase aonde e como quiser – num sofá, diz-se na gíria; se o cinco-da-frente é dominado a eficácia do jogo do abertura exige a sua posição próxima da linha de vantagem para evitar a 3ª linha adversária, manter os intervalos na defesa e diminuir o tempo para deslizar dos defensores (lembre-se a França mundial que com a consequência da vantagem conseguida pelo cinco-da-frente ia quase , embora com pouco jogoquase ia ganahndo a prova...). No jogo de Portugal de sábado passado com um cinco-da-frente dominado e um abertura colocado na posição clássica da conquista de terreno pelo jogo ao pé, só a ingenuidade dos três-quartos ingleses é que permitiu o brilho de umas quantas jogadas de circulação da bola.
Vejamos: com a posição recuada de Ricardo – incapaz de atacar a linha de vantagem e lançar a sua gente – foi a desenfreada corrida dos defensores ingleses que criou os carris da sua própria fixação e não o posicionamento, tempo de passe ou linhas de corrida dos portugueses que, no caso, se limitaram a explorar a oferta - mas que é rara no nível internacional onde Portugal compete.
Por outro lado a menor capacidade do cinco-da-frente português exige, para o nível de jogo onde estamos inseridos, uma terceira-linha de grande raio de acção, rapidez e poder de choque para garantir a recuperação de bolas e possibilitar o lançamento do contra-ataque. E isso exige Julien Bardy e outros parceiros do mesmo nível – não chegam jogadores de perímetro curto. E exige também um abertura de boa leitura e capacidade de jogar na linha para além de jogadores lançados em velocidade e com linhas de corrida de ruptura. Não tendo sido isso, fora das aparências, que vimos a selecção portuguesa fazer, espera-se com curiosidade o jogo de hoje.