terça-feira, 22 de novembro de 2016

ADAPTABILIDADE

Embora vencendo, a Austrália levou um “banho” nas formações ordenadas, somando 10 perdidas entre as quais 3 de introdução própria. O que não deixa de ser estranho uma vez que Mario Ledesma - o antigo talonador argentino e dado como grande especialista na matéria - tinha vindo a conseguir melhorias substanciais naquilo que durante muito tempo foi o ponto fraco australiano. A primeira das razões para o insucesso - a França apresentou um bloco com mais 100 quilos de vantagem estática - terá sido o facto de Cheika ter mantido apenas David Pocock - o que mostra não ter em muito boa conta as capacidades francesas - do bloco que, oito dias antes, havia defrontado a Escócia em Murrayfield e assim destruir muito da coesão necessária ao equilíbrio entre estabilidade e variedade que esta fase de jogo exige. Apesar da enorme dificuldade para conseguir bolas atacáveis através da formação ordenada, a vitória acabou por ser conseguida mesmo que por margem resvés nos 2 pontos, quase idêntica à tangente de 1 ponto na Escócia. Mas muito curiosa foi a explicação dada por Michael Cheika para o caso: “Percorremos um longo caminho na formação ordenada e talvez que a combinação táctica para hoje não fosse a nosso favor. […] Foi difícil mas eu penso e não sei como dizer isto: nós tentámos fazer a formação ordenada de uma certa maneira e assim temos dito que iremos formar, o que significa correctamente. Não se pode agarrar de qualquer maneira e talvez nós estejamos a ser demasiado correctos porque os ângulos dos diferentes pilares que eles têm encontrado não supostamente aqueles que deveriam encontrar, é suposto ser uma forma correcta. O que fazer? Isto acontece algumas vezes num jogo e tem-se que ser resiliente e safar-se da situação. É tudo o que há a fazer. […] Durante o intervalo dissemos para tentarem encontrar uma solução para os problemas da formação ordenada de maneira a que pudessemos manter viva a disputa. Mas suponho que a nossa estratégia é a de formar solidamente, tentar e dominar a oposição e conseguir boas bolas a avançar e não apenas bolas ganhas. Enquanto que outras formações ordenadas apenas se preocupam em conseguir penalidades - são tácticas diferentes.”  (in The Guardian, em tradução livre).
Sob uma explicação uma bem disfarçada existe uma clara alusão a “truques” do bloco de avançados francês mas, essencialmente, uma mensagem: é preciso saber adaptarmo-nos ao que encontramos pela frente. E a adaptabilidade é a chave do sucesso nos desportos colectivos. Uma equipa, os seus jogadores, têm que ser capazes de jogar de acordo com aquilo que encontram motivado pelo movimento do jogo - seja na forma como surgem adversários ou companheiros - e saber adaptar, colectivamente, a estrutura utilizada em ensaiada às novas situações, tirando partido de novos pontos fracos e evitando os pontos fortes que a oposição tenha criado. O que significa muito treino  em situação livre - joguem de acordo com o que acontece!
Só com uma atitude que tenha na adaptação a sua base essencial é possível conseguir resultados como os dos All Blacks. No notável jogo de Dublin, os neozelandeses tiveram apenas uma quota de posse de bola de 34% mas conseguiram uma quota de pontos de jogo do resultado final de 70% - o dobro! O que significa que souberam aproveitar todas as oportunidades que lhes surgiram e foram capazes de se adaptar colectivamente às mais diversas situações que o jogo proporcionou. 
É claro que o menor número de bolas conquistadas obrigou os neozelandeses a construir uma defesa imparável - e como foi intransponível com 169 placagens realizadas sobre 193 tentadas (88%) - assente numa enorme pressão e que não permitiu que a muito boa Irlanda marcasse qualquer ensaio. E, note-se, os neozelandeses jogaram 20 minutos com 14 jogadores…
Como curiosidade compara-se a relação quota de posse de bola e quota de pontos de jogo conseguida pelos AllBlacks com as outras equipas europeias dos jogos do fim‑de‑semana.
  • Nova Zelandia: 34% de quota de posse da bola; 70% de quota de pontos de jogo marcados; vitória por 12 pontos
  • Irlanda: 66% de quota de posse da bola; 30% de quota de pontos de jogo marcados; derrota por 12 pontos
  • França: 50% de quota de posse da bola; 48% de quota de pontos de jogo marcados; derrota por 2 pontos
  • Escócia: 56% de quota de posse da bola; 54% de quota de pontos de jogo marcados; vitória por 3 pontos
  • Itália: 48% de quota de posse da bola; 53% de quota de pontos de jogo marcados; vitória por 2 pontos
  • Gales: 64% de quota de posse da bola; 52 % de quota de pontos de jogo marcados; vitória por 3 pontos
  • Inglaterra: 47% de quota de posse da bola; 79% de quota de pontos de jogo marcados; vitória por 43 pontos
E a notável - e completamente inesperada para a grande maioria de adeptos da modalidade - vitória da Itália foi conseguida com menor, embora muito proxima, posse de bola mas com determinada, excelente e também inesperada, capacidade defensiva.
Está visto: a defesa ganha  jogos… desde que o ataque marque mais pontos do que o adversário. 

E finalmente e para adaptar, uma citação de Fernando Santos em entrevista ao El País: "Está a dar-se demasiada importância à posse da bola. Obviamente que só marca quem tem a bola, donde quem tem a a bola por mais tempo tem mais possibilidades de marcar, mas isso pode levar a cair noutro extremo. O afã pela posse não pode eliminar a rapidez, a aceleração. O contra-ataque está em vias de extinção. As equipas recuperam para conseguir a posse e estar organizadas; o ataque directo, o contra-ataque, parecem não ser armas do futebol e são-no."

Parece evidente: muito mais do que a posse da bola conta a capacidade e eficácia da sua utilização.

Arquivo do blogue

Quem sou

Seguidores