quinta-feira, 10 de novembro de 2016

HISTÓRICA VITÓRIA

Frente ao haka neozelandês o Nº8 irlandês de homenagem a Anthony Foley

A Irlanda, com a formidável e histórica vitória sobre os All Blacks, interrompeu a gloriosa caminhada de 18 vitórias e veio demonstrar a regra universal do Desporto: não há invencíveis ou vencedores antecipados. Nem prognósticos infalíveis, razão natural - uma vantagem mas também um enorme problema - da existência das apostas desportivas.
Num jogo desportivo, tudo pode, da vitória à derrota, acontecer. E a Irlanda veio lembrar-nos esta realidade das coisas. É claro que para que isto seja assim, é necessário que exista equilíbrio competitivo. Ou seja: que as duas equipas adversárias pertençam ao mesmo nível competitivo. Porque se há modalidades desportivas onde um autocarro defensivo pode equilibrar argumentos, no rugby o equilíbro só é possível no confronto directo dos argumentos e, sem eles, não há artifício que valha. Para vencer é preciso jogar - não chega defender e esperar o milagre de um momento. 
A principal curiosidade do encontro de Chicago residia na verificação de como poderia a Irlanda apresentar um nível de coesão colectiva que a pudesse aproximar da equipa neozelandesa que acabava de vencer, com altíssimas demonstrações de eficácia, a Championship. Portanto, de um lado, uma equipa jogada, colectivamente habituada e onde os seus jogadores se conhecem uns aos outros como as suas próprias mãos - repare-se que o processo allblack assenta numa preparação levada a tal ponto que trazem jogadores no grupo (como é o caso do mais novo dos Barrett que não irá jogar nenhum dos jogos) apenas para que se habituem e ganhem a necessária experiência para poderem vir a integrar a equipa - e de outro uma equipa cuja último jogo tinha sido realizado em Junho em digressão à África do Sul. Poderia um jogo assim ter o equilíbrio necessário para que a vitória resultasse da maior coesão e melhor aproveitamento das oportunidades de uma ou outra equipa? Como iria fazer Joe Schmidt para pôr fim a 111 anos (cento e onze!) anos de 27 derrotas e um empate?
O jogo começou com os irlandeses a formarem um oito em frente ao haka allblack numa bonita homenagem a Anthony Foley, treinador do Munster, internacional e capitão da Irlanda, recentee precocemente falecido.
Não deve ser nada fácil jogar com os irlandeses e o seu fighting spirit traduzido num permanente antes quebrar que torcer. E como também são jogadores tecnicamente capazes - o Leinster venceu na época passada o Guiness Pro 12 (campeonato que reune 4 equipas irlandesas, 4 galesas, 2 escocesas e 2 italianas) e encontra-se em 1º lugar esta época - as dificuldades, como aliás já se tinha visto no último jogo entre ambas as equipas, aumentam.
Entrando mais determinados e tirando imediato partido de uma segunda-linha allblack remendada os irlandeses do também neozelandês Schmidt utilizaram e superiorizaram-se naquilo que hoje (Rob Howley dixit: ”A chave de um jogo internacional está, hoje em dia, na precisão do jogo-ao-pé") é um aspecto fundamental para possibilitar o aliviar da pressão das defesas e proporcionar espaços livres. E os irlandeses foram reis, por um lado, na batalha aérea que lhes permitiu garantir uma vantagem territorial de 6% e um constante ataque à linha de vantagem em passes à justa e na cara para marcar 5 ensaios contra 4 dos AllBlacks e, por outro, na placagem com 90% de eficácia nas 112 placagens tentadas. Se a pressão foi uma constante e retirou permanentemente espaço, controlo e tempo aos neozelandeses foi, segundo Schmidt, o carácter, mais do que a coesão, que garantiu a vitória.
Referia-se o treinador irlandês ao facto de não terem podido treinar o tempo necessário. No entanto a coesão irlandesa vem da existência, desde há anos, das suas 4 equipas regionais - Leisnster, Munster, Ulster e Connacht  - que disputam o Guiness Pro 12 e onde se concentram os melhores jogadores que depois irão formar a selecção nacional. Com esta política de concentração os irlandeses, para além de criarem hábitos de jogo a elevado nível, têm ainda a vantagem de muitos dos jogadores estarem habituados a jogar juntos na mesma equipa. Para o jogo com a Nova Zelândia os 23 jogadores seleccionados pertenciam ao Leinster (8 titulares e 5 suplentes), ao Munster (4 titulares), ao Ulster (3 titulares) e ao Connacht (5 suplentes). Tecnicamente preparados, fisicamente capazes e mentalmente adaptados, não terá sido muito difícil - mesmo com o pouco tempo disponível - para Joe Schmidt estabelecer a coesão necessária para garantir as suas capacidades em pleno. 
A vitória da Irlandaé, no fundo, resultado da estratégia federativa posta em campo vai para anos. Com cerca de 7 milhões de habitantes e cerca de 60 mil jogadores que formam 224 clubes que cobrem - demonstração de inegável cultura rugbística - todo o terrritório (República da Irlanda e Irlanda do Norte) de que resultam as 4 equipas regionais  que concentram os melhores jogadores e ainda com aquele que considero o melhor programa de formação de rugby - o Long Term Player Development (e pudemos ver a sua tradução prática no recente jogo contra a selecção portuguesa de Sub18) - a federação irlandesa tem conseguido desenvolver a qualidade do seu rugby e manter-se, com o seu 5º lugar no ranking mundial, como uma das potências mundiais da modalidade. E não há fronteira que o impeça.


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