segunda-feira, 14 de novembro de 2016

VITÓRIA DE PIRRO?


O aspecto mais importante do jogo Portugal-Bélgica, a vitória - no Desporto de Rendimento, repito-me, o factor primordial, o factor que conta, é o resultado - foi conseguido. Com uma quota positiva de pontos marcados de 55% e com 4 ensaios, a vitória permite ainda que Portugal suba um lugar - agora 28º - no ranking da World Rugby. É uma boa e importante vitória para iniciar o difícil caminho de retorno ao lugar de onde saímos. 
Teve ainda o jogo um momento de absoluta eficácia e rara beleza de que resultou o terceiro ensaio e que mostrou o caminho do que deve ser a utilização da bola que os portugueses devem privilegiar: ataque aos intervalos, aparecimento do apoio em plena corrida com mudanças de direcção e de ângulos de corrida a solicitar passes interiores ou exteriores a permitir a circulação de bola de acordo com a movimentação dos adversários e os seus pontos fracos. Um ensaio a levantar um estádio de dezenas de milhar em qualquer parte do mundo.
Mas foi sol de pouca dura!
Se na primeira parte ainda houve capacidade para uma ocupação de terreno de 61%, o jogo terminaria com a igualdade de 50% para cada equipa. O que significa que o domínio conseguido se foi perdendo como demonstra - de acordo com as minhas notas -  o facto de, durante a 1ª parte, ter havido 63% das bolas conquistadas num total de 49, a que corresponderam 76% do total das 17 ultrapassagens da linha de vantagem. O que, aliás, permitiu a marcação dos quatro ensaios e ainda caracterizar a taxa de esforço para a realização de cada um em 8% da posse de bola e em 25% das perfurações.
Está visto: se a vitória é boa, o jogo de Portugal foi fraco. Viveu apenas do período em que os belgas pareciam estar a trocar conhecimentos uns com os outros e começou a finar-se, perdendo coesão e comprometimento, até ao ponto de termos sido praticamente salvos pelo gongo quando um jogador belga, em cima do final do jogo e a 4 pontos de diferença, cometeu o erro infantil de não conseguir colocar o pontapé fora para um alinhamento em cima da nossa área de ensaio. Sortes...
Parece que com o acerto conseguido - mas também fruto da nossa desconcentração - pela equipa belga os jogadores portugueses, habituados na sua maioria ao campeonato nacional de baixa intensidade e pouco competitividade, deixaram fugir por entre os dedos o algum do colectivo que tinha prometido.
Tem a vantagem da vitória neste jogo ainda uma outra vantagem - felizmente ainda em tempo útil - de nos permitir perceber onde estamos e o que necessitamos de melhorar para atingir o nível necessário à competição internacional. O jogo é um livro aberto das fraquezas e incapacidades demostradas que, sem presunções deslocadas e com a humildade necessária, devem ser encaradas e resolvidas. Porque muito há a corrigir e a equipa belga não tem a qualidade para virar o jogo como o fez, quase invertendo o resultado numa meia-parte de total domínio.
Não é possível jogar ao nível internacional sem uma formação ordenada - principalmente sem um cinco-da-frente eficaz - capaz de, no mínimo, resistir ao adversário e não se deixar arrastar como aconteceu no sábado. Tendo como temos índices de compacticidade - a distribuição do peso pela altura - que não se iguala aos adversários, é necessário ser capaz de resolver o problema com a técnica adequada: ângulos das pernas, altura dos joelhos, posição das costas, ligações e sincronização em tal coordenação que a combinação do oito seja a de uma força efectiva - o argentino Mário Ledesma, agora treinador da Austrália, avisa que o essencial da FO é a unidade dos seus componentes e a atitude em cada momento. E a FO portuguesa não teve a qualidade técnica necessária - o que aliás só se conseguirá com muito trabalho e treino para ultrapassar as limitações que os nossos jogos internos propiciam. Arrasados nas FO, o domínio belga estendeu-se aos alinhamentos e a dificuldade de bolas jogáveis aumentou e o jogo passou a depender das capacidades técnico-tácticas dos jogadores belgas.
Também não é possível ser eficaz jogando posicionalmente longe da linha de vantagem. E não é possível jogar em cima da linha de vantagem - ou para utilizar a linguagem de Graham Henry - não é possível ganhar a corrida pela linha de vantagem com o atraso na disponibilidade da bola por atraso quer na reciclagem quer no tempo de passe - o que representam questões técnicas imperiosas de resolver. Jogar próximo da linha de vantagem é o que permite colocar problemas à defesa, confundindo-a e não lhe dando oportunidade de se recompor - o que aconteceu no início do jogo nos momentos de marcação dos ensaios mas com pouca duração e, com o decorrer do tempo, a aumentar as hipóteses de subida da defesa belga logo que começaram a acertar tempos e critérios.
Que dizer do jogo-ao-pé? Que não foi incisivo e não teve propósito mais parecendo surgir com a única finalidade de alívio do peso da posse de bola. Quantos contra-ataques se perderam por atrasos na recolocação ou por entrega imediata da bola ao adversário? Porque que é que e guta sem um propósito objectivo de castigar o adversário, obrigando-o a libertar os espaços de que os nossos ataques precisam?
Remédios para tudo isto e para que a óptima vitória não venha a mostrar-se como de Pirro? Todos os sabemos: de imediato, treino e disponibilidade física e mental; a breve trecho, alteração das competições internas e procura de um maior contacto competitivo com os vizinhos do lado. Mas mais do que tudo o resto tudo dependerá da noção que a comunidade rugbística portuguesa tenha da real importância que os resultados internacionais têm para o desenvolvimento da modalidade, atracção de novos jogadores e aumento do estatuto interno.



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