sexta-feira, 20 de abril de 2018

BOLA, TERRITÓRIO E EFICÁCIA

Volta não volta retorna a ideia da importância, quase absoluta, da posse da bola. Aliás e numa eventual influência dos Sevens, chega a dar-se mais importância à posse da bola do que à posição e domínio territorial - o que não deixa de ser curioso num jogo em que a bola não pode ser passada para a frente e que o ensaio obriga a colocar a bola lá ao fundo, na Área de Ensaio adversária 
Mas os factos, através das estatísticas, demonstram que se pode ganhar um jogo com alguma facilidade sem ter superioridade quer em termos de posse da bola quer em termos territoriais. Ou seja: o que importa para vencer é a qualidade do uso da bola.
Num jogo recente do PRO14 britânico entre os escoceses do Edinburgh e os galeses do Scarlets, disputado em Murrayfield e que os escoceses venceram por 52-14 - com Quota de Pontos Marcados de 79% - marcando 8 ensaios e sofrendo 2, a relação da Posse da Bola e da Ocupação Territorial foi sempre favorável aos derrotados. 
Sendo uma vitória muito folgada, valerá a pena analisar estatisticamente o jogo para se perceber que a posse da bola não é tudo e que, embora necessária, não é o suficiente.
Como se pode ver no gráfico seguinte, os escoceses tiveram menos Posse de Bola e menor Ocupação do Território - diferença de 14% no tempo de posse da bola e de 22% na ocupação territorial - e no entanto marcaram 8 ensaios. Ou seja: com menos bolas disponíveis foram muito mais eficazes que os galeses.
No gráfico que segue abaixo podemos ver os dados das Perfurações, da Ultrapassagem da Linha de Vantagem e do Número de Rucks de ambas as equipas. Os escoceses só conseguiram melhor resultado nas Perfurações - fizeram mais do dobro (19 contra 8) - do que os galeses que, no entanto, ultrapassaram mais vezes a Linha da Vantagem (56). 
Estes valores significam que o Scarlets, dispondo de mais bolas, teve mais possibilidades atacantes mas as suas ultrapassagens da Linha de Vantagem (56) terão sido sempre de curta distância como demonstra o número de Rucks (119) da sua responsabilidade e que se traduz no número de Perfurações conseguidas. Ou seja, a defesa escocesa mesmo se ultrapassada, terá sabido sempre reorganizar-se em tempo para evitar que o avanço galês se traduzisse em Perfurações - essas sim com o perigo de atingir a Área de Ensaio. O que obrigou os jogadores escoceses - com uma eficácia de 92% de placagens positivas efectuadas - a realizaram 60% das placagens contabilizadas na totalidade do jogo.

Aqui chegados, vejamos o que sabemos que possa justificar uma tão ampla vitória com menor posse de bola ou ocupação territorial:
  • a equipa do Edinburgh marcou 8 ensaios contra 2 do Scarlets;
  • a equipa do Edinburgh conseguiu um maior número de Perfurações (19) embora tendo ultrapassado metade das vezes a Linha de Vantagem (28) e teve, como seria de esperar pelo tempo de posse de bola conseguido, menos fases de jogo ao apresentar menos Rucks (75) da sua responsabilidade;
  • a equipa do Edinburgh necessitou de menos rucks (75 representando 72% das bolas disponíveis) do que os Scarlets (119 representando 88% das bolas disponíveis) para ultrapassar a defesa adversária.
  • a equipa do Edinburgh placou mais vezes (169 placagens efectivas) com 92% de sucesso; 
A grande diferença que vai impôr o resultado, sendo naturalmente consequente com o conjunto dos dados está no número de metros conquistados - gráfico ao lado - por uma e outras das equipas. Os jogadores do Edinburgh, com menor posse da bola como já se viu, conquistaram avanços no terreno (725 metros) de mais do dobro de metros do que os conseguidos pelos galeses (347 metros). O que mostra um melhor uso da posse de bola, melhor criação de superioridades numéricas com maior capacidade de perfuração, evitando placagens e evadindo adversários e tendo, portanto, menos colisões como mostra o menor número de rucks da sua responsabilidade. Uma nota a realçar é a excelente defesa dos escoceses que, como se pode verificar no gráfico abaixo da Análise da Capacidade, não permitiu que mais do que 4% das bolas galesas que ultrapassaram a Linha de Vantagem (e foram 41% do total das bolas disponíveis) atingissem a sua Área de Ensaio. Mas não se pode dizer que fosse a defesa a ganhar o jogo porque foi o ataque, ao marcar 8 ensaios e mostrando-se altamente eficaz com menor número de bolas de que dispôs, que o venceu.

Este gráfico da Análise da Capacidade que, de certa maneira define o que passou em campo ao mostrar a capacidade de lidar com os problemas, resulta dos dados estatísticos que costumo recolher durante os jogos - muito úteis pela facilidade de notação e pela qualidade da análise que permite - e que constam do número de bolas que uma equipa tem ao seu dispor e de quantas vezes ultrapassa a Linha de Vantagem definindo o valor dos indicadores que podem permitir interpretar o jogo e as suas consequências. Assim o indicador Aproveitamento, consistindo na relação percentual entre o número de vezes em que Linha de Vantagem é ultrapassada e o número de bolas disponíveis, estabelece o nível da capacidade de avançar no terreno ; a Eficácia é a relação percentual entre ensaios marcados e o número de bolas disponíveis; o Dentro da Defesa representa a relação percentual entre o número de ensaios e de ultrapassagens da Linha de Vantagem e define a capacidade de ruptura da defesa adversária. A estes valores pode ainda ser acrescentado a relação percentual entre o total do número de pontos marcados e o número de bolas disponíveis que indicará o Rendimento de cada equipa. 

No caso dos Scarlets a razão da sua ineficácia pode encontrar-se na incapacidade, como mostra o gráfico com 4% sobre 41% de Aproveitamento, do seu jogo entre-linhas, isto é de jogar dentro-da-defesa. Que terá corrido mal quer pela capacidade defensiva dos escoceses quer pela inépcia técnica ou táctica dos jogadores galeses ou, muito provavelmente - só visão do jogo pode determinar as verdadeiras causas - pela conjugação de ambos os factores.  
Conclusão 
Os dados estatísticos deste jogo entre duas equipas de bom nível, demonstram que quer a posse da bola quer o domínio territorial não são condição suficiente ou necessária para ganhar um jogo de rugby. Também é demonstrado que o conceito de que "são as defesas que ganham os jogos" deve ser substituído - mantendo a importância de saber defender eficazmente - por um outro: as defesas garantem as vitórias quando o ataque marca os pontos necessários. Neste jogo, os escoceses fizeram jus ao conceito, muito querido aliás de Graham Henry, de que o objectivo da posse da bola está na marcação de ensaios e mostraram a essência do jogo: o Rugby é um jogo de ataque.
Para que uma equipa se possa superiorizar a outra - ao adversário - o que  realmente importa e faz a diferença - e os dados deste jogo bem o demonstram - diz respeito à sua capacidade e eficácia na utilização da bola. Cada bola conquistada ou entregue pelo adversário deve, através do passe ou do jogo-ao-pé que permita a perseguição e com o necessário apoio dos outros companheiros, garantir a continuidade que possibilite ultrapassar a Linha de Vantagem para criar, com a superioridade numérica conseguida, dificuldades à defesa que não a deixem ser eficaz.

O Edinburgh, numa boa lição estratégica, ganhou o jogo porque foi mais eficaz a utilizar a bola e porque defendeu o suficiente para impedir qualquer tentativa de recuperação Para comprovar a demonstração estatística, bastará ver o jogo.

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