quinta-feira, 26 de abril de 2018

A IMPORTÂNCIA DO USO DA BOLA

Numa competição de nível mais elevado - 1/2 final da Taça dos Campeões - do que a anteriormente apresentada - jornada da Pro 14 entre o Edinburgh e o Scarlets - em jogo realizado em Bordéus, o Racing 92 venceu os irlandeses do Munster por 27-22 mas com bastante menor tempo de posse de bola (31% contra 69%) ou de ocupação territorial (23% contra 77%) embora com o mesmo número (3) de ensaios marcados mas, ao contrário do exemplo anterior, com menos metros conquistados (321 contra 431).
As diferenças na prestação de uma e de outra equipa são substanciais - vantagem dos irlandeses na ocupação territorial de 54% e de 38% de tempo de posse de bola. E, face a estes dados e de imediato, surge a pergunta: como desperdiçaram os irlandeses tanta vantagem?
No gráfico baixo poderemos começar a construir a ideia do que se passou.
Se houve equivalência na perfurações da defesa - a igualdade de ensaios marcados resulta disso - já a ultrapassagem da Linha de Vantagem dá uma superioridade de mais do dobro para os irlandeses. E se a isso juntarmos a vantagem dos rucks conquistados (também mais do dobro) temos que concluir que, para além da excelente defesa francesa, os irlandeses cometeram muitos erros. Erros irlandeses que foram determinados pela bem organizada pressão defensiva - um misto de rush com scramble que procurava impedir a circulação exterior, favorecendo a concentração defensiva nos dois primeiros canais - que levou a muitos erros não forçados com perdas de bola injustificáveis.
O gráfico das placagens dá uma ideia do bom comportamento defensivo francês, nomeadamente na multiplicação defensiva onde o já descrito tipo de defesa empregue garantiu a facilidade, pela proximidade, do apoio defensivo. 
Não havendo vantagem do Racing 92 de metros conquistados em posse da bola - bem pelo contrário - qual vai ser o factor que  decidirá da vitória? Se olharmos para o gráfico abaixo que representa os indicadores que normalmente uso para determinar a eficácia da capacidade das equipas, poderemos ver que ao maior Aproveitamento do Munster - relação das ultrapassagens da Linha de Vantagem com bolas disponíveis - corresponde uma menor Eficácia  - relação entre o número de ensaios e bolas disponíveis - e uma menor capacidade de jogar Dentro da Defesa - definida pela relação do número de ensaios marcados com o número de ultrapassagens da Linha de Vantagem.  
Ora estes valores demonstram claramente as dificuldades do Munster em ultrapassar a bem organizada defesa do Racing 92 - os últimos minutos da partida foram de notável esforço francês para garantir a vitória - num visível desperdício do enorme volume de bolas disponíveis (162 contra 76).
Pode também perguntar-se: como conseguiram os franceses do Racing 92 com diminuta posse de bola e pouca ocupação territorial marcar 3 ensaios e ganhar o jogo? Antes do mais porque tiveram um rendimento superior, poderia ser a resposta como mostra o gráfico seguinte. Mas os 3 ensaios marcados no 1º quarto do jogo - praticamente em 15 minutos - tem uma explicação, uma preparação táctica e um treino baseados na observação da forma defensiva irlandesa habitual.
De facto a equipa técnica francesa, disseram, reparou que a defesa irlandesa, sendo muito forte no canal central, mostrava dificuldades na sua zona exterior. E se assim o perceberam melhor as ampliaram: apostados em colocar-se em vantagem o mais cedo possível - de facto a sua entrada em jogo foi muito forte - a equipa francesa procurou atacar a defesa irlandesa no seu centro - fazendo numa sequência de duas acções - reduzindo e encurtando a linha defensiva e circulando posterior e rapidamente para o espaço exterior onde apenas haveria cobertura de recurso numa mais difícil (re)organização em movimento. E Teddy Thomas entrou por três vezes na área de ensaio...
O sistema francês provocou falhas defensivas e de placagem nas linhas irlandesas e mostrou-se altamente eficaz. Quanto aos irlandeses, terão seguido em demasia a procura de destroçar a defesa francesa no canal 1, obrigando apenas os franceses a uma boa atitude defensiva mas sem grandes preocupações de decisão reorganizativa. Ou seja: a eficácia - pela surpresa - de um lado, o desperdício - pela incapacidade de surpreender - do outro. 
CONCLUSÃO
A quantidade de posse da bola pouco importa se não há eficácia - adaptando-se ao adversário e ao seu posicionamento - com oposição do forte sobre o fraco. Os franceses apostaram na exploração de uma detectada fraqueza irlandesa enquanto que os irlandeses, pelo contrário, mantiveram-se na sua zona de conforto atacante e facilitaram a vida aos defensores que estavam, naturalmente, preparados para o mais que conhecido jogo de passes em pequeno perímetro dos avançados irlandeses.
Uma boa demonstração de um bom princípio: o uso da bola adaptado às forças e fraquezas do adversário, constituindo uma táctica colectiva de exploração de oportunidades que se apresentam na relação ataque/defesa, vale bem mais do que o tempo de posse de bola ou de ocupação de terreno.

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