terça-feira, 30 de julho de 2019

MAIS NOTAS PARA O MUNDIAL

Os prognósticos para os jogos do Rugby Championship do passado fim‑de‑semana saíram completamente furados. O que é bom!
E é bom porque nos chama a atenção para o facto de se tratar de jogos desportivos onde os algoritmos baseados no passado de cada equipa não determinam os vencedores. Porque existem outros factores, como a coesão por exemplo, com peso importante na construção da eficácia. Ou seja — e desde que haja equilíbrio competitivo com pertença das duas equipas adversárias ao mesmo plano de capacidades — não há vencedores antecipados! O que só favorece o interesse pela competição. 
Aumentando também as expectativas: quem ganhará o Championship? AllBlacks ou África do Sul? Que hipóteses terão no Mundial?
O resultado mais surpreendente foi, num jogo muito interessante e que mostrou, como se verá, aspectos tácticos que dominarão o Mundial, o empate em Wellington com a África do Sul a marcar no último momento da partida. 
Apesar de novo resultado muito próximo, mas sempre derrota, a Argentina, mesmo com um nível mais elevado de coesão colectiva por ter disputado, como Jaguares, o Super XV, mostra ainda muitas deficiências para poder considerar-se como potencial candidata ao Mundial. E com muito trabalho ainda pela frente.
O jogo entre os AllBlacks e a África do Sul foi determinado por dois princípios estabelecidos por Graham Henry, treinador e campeão mundial em 2011, e que definem que “o rugby é isto: ganhar a corrida pela linha de vantagem” e que “a posse da bola deve valer um ensaio”.
O primeiro aspecto foi demonstrado pela velocidade de subida da defesa sul-africana que criou uma enorme pressão sobre os atacantes neozelandeses que, por isso, cometeram — na preocupação de cumprimento do segundo princípio — diversos erros de manuseamento ao não conseguirem, por falha na adaptação ao tempo adequado de apoio, manter a continuidade do movimento. Muitas vezes por falharem um outro princípio do mesmo autor:”É melhor chegar atrasado do que adiantado. No primeiro caso ainda se pode ser útil, no segundo não!”
Houve portanto falta de eficácia neozelandesa demonstrável quer no baixo sucesso, 67%, dos pontapés aos postes, quer no facto de, tendo 57% de posse de bola — na 2ª parte, com evidente melhoria, teve 67% — não ter conseguido mais do que 51 ultrapassagens da linha de vantagem. O que é curto, representando apenas e sem contar com as bolas provenientes de pontapés recebidos, 38% de eficácia nas bolas utilizáveis e que apenas se traduziu pela marcação de 1 ensaio.
Vimos portanto uma permanente preocupação de atingir a linha-de-vantagem — com vantagem para a defesa sul-africana — uma também permanente preocupação de encadear o movimento principalmente por parte dos AllBlacks mas ainda incapazes da correcta adaptação ao tempo e espaço reduzidos pela necessidade de jogar na cara da defesa e ainda, como ferramenta táctica importante, o recurso ao pontapé longo.
Este recurso, obrigatório para colocar o três-de-trás adversário longe da sua linha de três-quartos e assim garantir possibilidades de criação de superioridades numéricas atacantes, tem ainda a vantagem de dificultar tremendamente o contra-ataque porque o tempo de voo da bola dá margem suficiente para uma boa transformação do ataque em defesa, obrigando, muitas vezes, o adversário a se limitar a entregar a bola pelo jogo-ao-pé, perdendo assim o menor terreno possível. 
Em termos defensivos ambas as equipas se mostraram muito capazes e bem organizadas e com preferência pelo recurso — obrigatório pela superioridade numérica atacante a que o recuo do três-de-trás obriga — á scramble* defense — defesa adaptativa em movimento — que tem por objectivo cortar linhas de passe e encaminhar o portador para as mãos de um defensor — muitas vezes o formação que tem a obrigação, semelhante à do sweeper nos Sevens, de fazer uma cobertura deslizante da sua linha de defesa. A afinação deste processo, diversas vezes em perseguição e dependendo muito da disponibilidade mental dos jogadores e da resiliência da sua atitude, exige uma constante adaptação aos movimentos do portador da bola e do seu apoio e irá obrigar, também aos atacantes, a adaptações permanentes e diversas quer no jogo entre-linhas, quer mesmo no jogo depois da defesa. O que coloca na articulação e adaptação colectivas a chave destes momentos que serão decisivos nos jogos entre equipas equilibradas. E no Mundial vamos ver muitos destes movimentos... que se basearão num princípio estratégico aplicável: a necessidade de adaptação a condições em mudança no terreno.
No outro jogo, os australianos mostraram querer voltar ao seu velho sistema de ataque com os três-quartos “em linha”. Situação que lhes vai ainda exigir bastante trabalho uma vez que os tipos actuais de defesa obrigam a diferentes adaptações deste sistema para garantir a sua eficácia. Embora ainda algo distantes da melhor eficácia, a proposta viu-se...
O que parece ressaltar destes jogos é que, sabendo-se que a defesa segura resultados, será preciso marcar para garantir vitórias. Daí que seja necessário que as equipas sejam capazes de adaptar o seu ataque às formas defensivas altamente pressionantes que encontrarão nos seus adversários — adaptação, que não sendo fácil, dará aos espectadores maiores motivos de interesse.
* Scramble — palavra-ordem da aviação britânica na II Grande Guerra para colocar com a máxima rapidez os aviões no ar, organizando as esquadrilhas já em voo, e assim evitar a destruição dos bombardeamentos alemães

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