sábado, 19 de fevereiro de 2022

EM CARDIFF NO GALES-ESCÓCIA

Formidável momento de comunhão colectiva

Fui a Cardiff ver o Gales-Escócia e o jogo deixa-me uma memória formidável. Ver um jogo de primeiro nível num estádio com pouco menos que 74 mil espectadores que acompanham o jogo com a emoção positiva de uma cultura de conhecedores é qualquer coisa de formidável. Foi um fim-de-semana cheio do tema Rugby. Daqui parti com os Evans, David e filho Steven, tendo o meu filho Raul faltado à chamada porque um surto de Covid no escritório o impediu de ir — sorte para o Fernando “Lomu” que jogou no GD Direito e que teve direito ao bilhete sobrante.


Estar lá é uma vivência inesquecível que permite viver o mundo rugbístico da forma como nos foi descrito: um espaço de valores e princípios, de convivência apaixonada mas respeitosa, onde — com excepção de um ou outro emborcador profissional de cerveja — o elo comum de gosto pela modalidade e ao contrário do que se vê muitas vezes cá por casa, faz as maravilhas da convivência — seja antes, durante ou depois do jogo. Sentimo-nos adversários mas nunca inimigos.


Neste mundo especial da comunidade rugbística, fui jantar com a família do Bill, que jogou, com o nº 15 nas costas, na mesma equipa do David há mais de cinquenta anos. Muito simpáticos, filhos, filhas e netos, receberam-me — como sinal expressivo da comunidade —como um deles só porque era amigo do seu amigo David, tendo em comum o gosto pelo Rugby. E eles, todos ingleses e amantes da Rosa, aproveitaram o seu jogo fácil de domingo para se colocarem ao lado do nosso Gales que, garantiam, iria derrotar a Escócia. Felizmente assim aconteceu…


Mas viajar neste tempo de pandemia é uma estopada! Filas e filas e nós a aguentar, parados ou a andar, de pé e com os certificados e passaporte sempre à mão porque têm que ser mostrados em cada final de fila de espera. E a isto juntar os quilómetros de corredores de Heathrow numa estafadela imprópria para idades como as nossas. Uma chumbada só suportada pelo agrado do jogo que íamos ver. Maldito Covid!


Domingo de manhã, combóio para Cardiff. Três super-lugares com mesa a meio e, pensávamos, aí íamos nós. Qual quê, tudo marcado e nós, por inexperiência, sem a cruzinha no quadradinho viajámos — 2 horas e 1/2! — de pé. Uma estafa brutal.


O combóio ia cheio de camisolas vermelhas e azuis escuras. Tudo junto e tudo na boa — até vi um escocês dos London Scottish que na camisola tinha um logotipo de “arquitectos”, perguntei-lhe o porquê e respondeu-me que eram patrocinadores do clube — escritório de arquitectura patrocinadores de um clube de Rugby?! Maravilha, mundo diferente. Nas cadeiras próximas do meu lugar de pé no corredor central, iam duas raparigas de vinte e tais com as camisolas vermelhas de Gales. Uma delas levava um livro que percebi ser de Warren Gatland. Pedi-lhe para ver, autorizou sem problemas — no fundo tínhamos a mesma camisola… — folheei-o e quando lho entreguei disse-me: “o livro é muito bom, muito interessante e tenho aprendido muito com ele…”. Cultura diferente, desportiva e rugbística. E durante dois dias foi isto: a convivência num mundo de diferente cultura desportiva.


A caminho do estádio um mar vermelho, de camisolas e bandeiras de dragões, de dafodills amarelos, de caras dadas ao desenho do dragão para não deixar dúvidas da pertença, criavam o ambiente emocional para o início do jogo. Almoçados numa italianada fomos bater à fila no nosso sector para mostrar um qualquer telemóvel (podia ser o seu, estimado leitor) que tivesse um quadrado de Código QR visível — ainda não chegou lá o sistema das pulseiras — para haver um please a autorizar a passagem. Encontrar os nossos lugares  no meio daquele mundo sem máscaras, foi um terrível percurso a deixar os bofes de fora… mas eu queria chegar a tempo de ouvir o cântico do Land of My Fathers no lugar…


…e assistir — recordando a minha avó — a esse mítico momento único de comunhão participativa dos galeses. E por mais difícil que seja a letra com as palavras ineligíveis cheias de consoantes, consegue-se entoar a música e fazer parte do colectivo. A guardar na memória!



Ver ao vivo um jogo desta dimensão permite uma perspectiva global do movimento dos trinta jogadores e não apenas os que o rectângulo televisivo capta — percebe-se o que fazem e o que pretendem fazer, vê-se as possibilidades de cada momento e o valor de cada tomada de decisão. É outra coisa! 


O jogo começou bem para o lado galês — 6-0 aos 10’ — mas os escoceses estavam a jogar melhor e atacavam os intervalos com jogo de passes e com boa continuidade de apoio, marcando logo a seguir um ensaio para um 6-5. Muito jogo ao pé, principalmente de Gales que entregou muita bola grátis aos escoceses — o seu jogo de transporte de bola com os receptores estáticos raras vezes ultrapassava a Linha-de-Vantagem — e a 1ª parte terminou num 14-14 depois de um também ensaio, acompanhado em pé pela multidão de milhares de apoiantes de Gales.


E se a Escócia parecia, quando em posse de bola, mais capaz de criar perigo — um total de 5 rupturas contra apenas uma de Gales que realizou 146 passes para ultrapassar 61 vezes a LV contra 68 ultrapassagens em 178 passes dos escoceses. Mas tudo com idênticos metros percorridos — 463 de Gales contra 466 da Escócia. 


Havendo em quase todos os sectores vantagem da Escócia, como ganhou Gales? No essencial com um pontapé-de-ressalto do capitão Dan Biggar, agora centurião (Jonathan Davies que saiu do banco também já o é), e que passou a maior parte do jogo em dificuldades com problemas num joelho mas que teve a guerreira atitude de um comandante — só saio do campo quando o jogo estiver ganho! — que, em vez de se aproveitar da vantagem numérica (o seu adversário directo, Finn Russell, acabava de sair com um amarelo) e procurar a vantagem de possíveis 7 pontos, decidiu-se por um esplêndido pontapé-de-ressalto que fez os 20-17 do resultado final.


E se Gales conseguiu e mereceu a vitória apesar de um jogo-ao-pé pouco incisivo e de uma procura de intervalos por transporte de bola pouco eficaz, foi a sua defesa — com excelente entre-ajuda nas 25 placagens falhadas — e uma pressão constante que conseguiu obrigar a Escócia a 15 penalidades, das quais 10 no seu próprio meio-campo. E assim Gales equilibrou a posse (50%/50%) e ganhou vantagem territorial (55%/45%) num jogo de muito inteligente domínio táctico que permitiu uma vitória final muito comemorada. E a nossa particular satisfação.


No outro jogo entre a França e a Irlanda, venceu (30-24) também a equipa que ataca os intervalos com transporte de bola e que, fazendo menos passes (125/157) e ganhando menos metros (334/355), ultrapassou mais vezes (57/54) a LV e conseguiu impor e também pela pressão defensiva 6 penalidades convertidas. Os irlandeses, apesar de terem marcado mais um ensaio, mas sendo obrigados a correr atrás do resultado, não conseguiram resistir à pressão francesa.


No fundo dois jogos com adversários estrategicamente antagónicos no seu modelo de jogo: ataque aos intervalos por transporte ou por jogo de passes e continuidade com sequências mais longas. Desta vez a vitória coube mais à força que ao movimento — veremos como tudo se definirá no Mundial 2023.

No jogo entre ingleses e italianos, o esperado: vitória folgada da equipa da Rosa.



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