Mas é uma derrota. Nós perdemos.
Estou orgulhoso mas não feliz.
Tomás Appleton
Capitão dos Lobos
Com as derrotas aprende-se muito, dizem. Mas pouco importa a aprendizagem se o que queremos são vitórias. Mas de facto com as derrotas aprende-se… e com as vitórias também desde que não andemos distraídos. E as vitórias alegram mais e solidificam mais o percurso de uma competição desportiva. E como o capitão disse, se há orgulho pelo comportamento levado ao limite das possibilidades, não há grande felicidade. Porque as derrotas pesam. E pesam mais quando as exigências criam deslocadas expectativas que ultrapassam as competências habituais.
Pronto, ao contrário do que muito boa gente pensou ou mesmo disse, Portugal perdeu com a Austrália que marcou 5 ensaios e sofreu 2. O que é um resultado normal e mais do que aceitável contra uma equipa que já foi campeã mundial e que tem na sua constituição um conjunto de jogadores que têm hábitos competitivos muito diferentes do ambiente que cerca os Lobos. E isso pesa muito por melhor que seja — como foi — a atitude de cada um dos jogadores ou mesmo e por vezes de cada um dos grupos que constituem a equipa. Os avançados nas fases estáticas — conquistaram 21 contra 15 australianas — estiverem muito bem e em relação aos últimos jogos houve nítida melhoria nas formações-ordenadas. E houve momentos de belíssimos movimentos com transportadores e apoiadores a alternarem as linhas de convergência e de divergência que permitiram à equipa contar com os canais exteriores livres e de que é exemplo o excelente ensaio de raiz colectiva do Pedro Bettencourt. Mas também houve erros decisivos, tácticos ou técnicos, sempre que a pressão aumentava e que deslaçava o movimento colectivo e a decisão individual. A falta de hábitos adequados apresentava-se com elevados juros…
Depois, com o amarelo de Bettencourt, o caldo entornou e a equipa, por falta de experiência, não foi capaz de se organizar em inferioridade numérica — foram três ensaios em 10 minutos! E a diferença entre o nível das equipas verifica-se aqui: em superioridade numérica de 15/14, os australianos marcaram 3 ensaios; em superioridade de 15/14 durante quatro minutos e de 15/13 durante 8 minutos a equipa portuguesa apenas marcou 7 pontos e no limite do tempo de suspensão. E aqui se mostra a maior dificuldade da equipa: das 63 ultrapassagens da linha-de-vantagem, os portugueses marcaram 2 ensaios com uma eficácia de 3,2%; das 62 ultrapassagens da linha-de-vantagem os australianos marcaram 5 ensaios (8,1%). Dos transportes de bola, os australianos conseguiram com um total de 528 metros uma média de conquista de território de 5,1 metros e os portugueses, com 607 metros de conquista de território — dos quais 153 metros foram realizados por Sousa Guedes (que partiu um braço e jogou até ao fim) — conseguiram, por cada bola transportada, uma média de 4,3 metros, ultrapassando 29 defensores contra 18 conseguidos pelos australianos. O que traduz falta de organização defensiva consistente e de um processo táctico que permita encarar positivamente os momentos de pé-atrás. Porque os portugueses estiveram bem nas placagens individuais, realizando 132 para um sucesso de 86%. As falhas não foram portanto individuais, mas colectivas.
E é claro que, com 56% de posse de bola e 54% de domínio territorial, houve erros nos passes e no transporte da bola, algumas vezes por má colocação dos receptores, outras — na maioria — porque a intensidade e a pressão, levando à falta de espaço e de tempo, não permitiam, pela exigência distinta do hábito, a execução eficaz. Mas houve também erros de concepção táctica na organização em inferioridade numérica e, também, quando da superioridade numérica… parece que ninguém, dentro ou fora do terreno-de-jogo, sabia, eventualmente por falta de estrutura da cultura táctica, como adaptar a equipa às situações. E jogando contra equipas do nível da australiana erros desta natureza pagam-se — como se pagaram — caros.
Que aprendemos com este jogo e com esta derrota que, embora entristeça, deixou claro uma atitude de combate de enaltecer, uma vontade de bem fazer e um espírito colectivo — embora muitas vezes desligado — de entreajuda importante? Aprendemos que nos falta uma envolvente competitiva que adeque o desenvolvimento das qualidades e habilidades naturais que os jogadores portugueses demonstram aos altos níveis de intensidade e pressão que as competições desta natureza exigem. E então sim, as vitórias serão mais naturais do que as derrotas.
(Versão do texto publicado no Público a 2 de Outubro de 2023)