sábado, 12 de dezembro de 2009

NOTAS DO NOVEMBRO INTERNACIONAL

Foi o último, contra Tonga, o melhor jogo de Portugal. Tivemos mais bolas disponíveis, jogamos menos ao pé e colocámos menos profundidade no alinhamento dos três-quartos, embora nos mantivéssemos ainda distantes no momento decisivo de cada passe. E foi o melhor jogo não só porque, sendo o terceiro, já traduziu uma melhor adaptação ao nível internacional, como também pelas alterações realizadas – 1ª linha e médios – que permitiram que a equipa encontrasse uma maior estabilidade, uma capacidade de jogar sobre a Linha de Vantagem, uma maior capacidade atacante de adaptação ao movimento defensivo e uma maior rapidez – o passe de Emmanuel Ribeiro é tenso – no ataque da Linha de Vantagem, dificultando assim a organização defensiva adversária. Eventualmente também terá ajudado a menor pressão num jogo em que o pensamento, lá no fundo, não tinha maior exigência do que a de estar bem. E não estiveram mal, principalmente na primeira-parte, muito embora se possa também dizer que deixaram fugir a vitória.
Mas esta cruz que a necessidade permanente de adaptação ao nível internacional representa, que nos atrasa, que nos faz passar quase sempre ao lado de vitórias possíveis e que é resultante de um campeonato que nada tem de competitivo, tem, naturalmente, custos elevados como a derrota com a Namíbia – impensável face aos resultados de ambas as equipas nos últimos anos (o posicionamento no ranking IRB permitia considerar como normal uma vitória portuguesa por 17 pontos de diferença) – e que, fazendo-nos descer uma posição, nos retirou dos 20 primeiros lugares. O que deveria levar a pensar, de forma objectiva, na reorganização competitiva interna. Sob pena de vermos os outros a avançar e nós a regredir. Cito Malcom Gladwell (Blink!): “A eficácia depende da experiência que se viver em casos semelhantes.”. Ora se assim é, não há eficácia que surja da inexistência de experiência competitiva que o campeonato propicia.

No último jogo houve uma franca melhoria no jogo-ao-pé. Para além da sua menor utilização – o que significa deitar menos bolas fora – comparativamente com a Argentina A (um desperdício de bolas, cf. quadro JOGO AO PÉ DE BOLA NA MÃO), tendo sido feito com mais a-propósito, isto é, com objectivos tácticos evitando-se, desta vez, despachar a bola. Mas falta ainda muito para que o jogo-ao-pé seja de nível internacional – é normalmente curto e cria poucos problemas aos adversários que o recebem de frente e sem obrigação de grandes deslocações da sua zona confortável. Não fazemos, do nosso jogo-ao-pé, uma arma atacante, apenas um refúgio defensivo. Ora esta lacuna, tem naturalmente que ver com a formação – é preciso que aí haja, em todas as idades, treino de pontapé de forma adaptada sob pena de ficarmos à espera que apareçam milagres. Cito Leavitt e Dubner, autores do Freakonomics: “É assim, a prática leva à perfeição.”

A primeira-parte foi muito boa com um ensaio excelente a mostrar qualidades de jogo e movimento colectivo com bola e sem bola (o sucesso da finta-de-passe de Gonçalo Uva só é possível por haver companheiros bem lançados e em boa posição para continuar o movimento para o exterior), com ataque ao intervalo fixando adversários interiores e impedindo o deslizamento defensivo, numa explicação prática do modelo que Tomaz Morais pretende que seja o da selecção.

Pena foi que, na segunda-parte e com a reacção de Tonga trazida dos vestiários, Portugal tenha deixado de representar qualquer perigo – mais do que uma questão física, pareceu tratar-se de uma questão mental: pouca capacidade de reacção à pressão e atitude adversárias… e ganhou a equipa mais resiliente.

Falta pouco tempo para os jogos que qualificarão Portugal para o Mundial e há ainda muito trabalho a fazer. O que significa que as quatro primeiras equipas do campeonato têm, daqui até Fevereiro e nos jogos que vão disputar, de mostrar capacidades diferentes daquelas que lhes temos visto até agora. Porque de outra forma não conseguiremos chegar à Nova Zelândia e o carro que é preciso puxar não é trabalho de uma só junta…

Há erros que são intoleráveis a este nível. Porque as razões que os podem justificar – falhas de concentração, pouco espírito colectivo, desconhecimento ou erro táctico, incapacidade técnica – não são, a este nível, aceitáveis. Vejamos: não é aceitável que um ponta abandone o seu lugar, ainda para mais dentro da sua área de 22, e suba na defesa com a bola ainda sob controlo do abertura contrário. A razão é simples: subindo assim, num momento em que basculação do três-de-trás ainda não pôde ser realizada (defesa e outro ponta não podem ainda deixar o seu espaço de cobertura e partir para as compensações), abre-se, como se abriu, a porta para a colocação da bola no espaço vazio e permitir um ensaio grátis. E que diabo, já toda a gente viu que os aberturas não esperam outra oportunidade. Sabe-se da televisão e dos companheiros do campo.
Houve também falhas de placagem sem sentido, motivadas apenas pela falta de controlo da corrida e com a consequente perda dos apoios. Como se nunca se tivesse aprendido a construção da oposição defensiva. Como se fosse cada um por si.
Também não percebo a falta de apoio nas saídas da terceira-linha: a sequência 8,7,6 não aparece e o losango (com junção do 9), que permite atacar intervalos e passar a bola antes do contacto, não existe. Como também há uma enorme dificuldade em procurar os intervalos por parte dos três-quartos que acabam por bater na parede dos adversários em vez de utilizarem as portas de passagem para o outro lado. O axioma é simples: aquele que desafia a defesa não deve ser o penetrador. O que exige apoio próximo (por isso, como sempre achei, considero que o melhor posicionamento das linhas atrasadas, sendo 4+2 em defesa, deve ser 3+3 em ataque), linhas de corrida diferenciadas, mudança de direcções, num somatório colectivo muito superior à soma das capacidades de cada um. E exige também conquista de terreno (cf. quadro ULTRAPASSAGEM DA LINHA DE VANTAGEM). Porque a criação de fases sem conquista de terreno é como a burocracia: trata da máxima actividade num mínimo de produtividade.

Tudo isto levar a pensar – porque o esforço é grande para resultados pouco eficazes - se não é necessário mais campo, mais treino ao nível da técnica e da táctica. E menos ginásio. Para desenvolver a plasticidade e adaptabilidade da equipa às circunstâncias do movimento da bola e do adversário – que tão bem se viu na jogada que levou ao ensaio que já referi e que constituirá a arma mais poderosa para lutar contra russos e georgianos. E os jogadores têm que reconhecer as suas deficiências e trabalhá-las. Cito José Mourinho: “Um grande pianista não corre à volta do piano ou faz flexões com a ponta dos dedos. Para ser grande, toca piano. Toca a vida inteira. E ser um grande jogador não é correr, fazer flexões ou exercício físico em geral. A melhor maneira de se ser um grande jogador é jogar futebol.” Para o rugby, o mesmo. E como o campeonato não ajuda a jogar grande rugby - atingida a estrutura muscular necessária, botando um mínimo de corpo como se diz popularmente - há que encontrar outras e novas formas de desenvolvimento.

Jogar com Miguel Portela exige adaptações. E atenções. Miguel Portela é, demonstrou-o em campo, uma mais valia para a equipa portuguesa. Lê bem e depressa, corre riscos, cria situações difíceis para os defensores, apoia sempre os companheiros. Muitas vezes surpreende-nos (por isso sempre gostei de contar com ele a terceira-linha ou a ponta – lugares onde dispunha de toda a liberdade para agir, aparecendo onde era inesperado). Ora ele não está na equipa para não fazer aquilo que sabe: surpreender. Por isso, porque as suas capacidades se adequam à criação de desequilíbrios, os seus companheiros – no mínimo dois sempre de plantão - têm que ter uma atenção especial para poderem tirar proveito das situações que consegue criar. Porque elas não podem ser feitas com aviso prévio…e o clássico não é sempre a coisa mais eficaz a fazer. Trata-se aqui também de desenvolver as atitudes que são necessárias à personalização da equipa e ao modelo que, repito, Tomaz Morais definiu como sendo o da selecção.

Após estes três jogos, os dados estão lançados, as decisões tomadas. É necessário trabalho adequado – de que se salienta a absoluta necessidade de constituir e construir um cinco-da-frente capaz - consistente na revisão da matéria e com objectivos bem definidos no que diz respeito à garantia da sua eficiência. Aos jogadores compete a responsabilidade de garantir que a sua preparação se adapta às necessidades de ultrapassarem deficiências técnicas e tácticas. É para isso que serve o treino e a motivação de um jogador internacional não pode ser apenas a de vestir, mais uma vez, a camisola de Portugal.

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