sábado, 17 de fevereiro de 2018

REDUÇÃO E SIMPLIFICAÇÃO DAS LEIS DO JOGO DE RUGBY

Com 103 países representados na tabela de ranking masculina e 83 países na tabela de ranking feminino, o rugby tem vindo a ganhar cada vez maior projecção mundial. A que Mundiais e Jogos Olímpicos masculinos e femininos têm dado a visão da sua expressão. Sendo um jogo capaz de proporcionar espectáculos desportivos de notável brilho - principalmente quando se prefere a manobra ao choque - e que facilmente, apesar do quase paradoxo de passes “para trás”, se percebe o seu objectivo principal de colocar a bola na área de ensaio adversária - numa demonstração de conquista equiparável à colocação medieval da bandeira no pátio central do castelo adversário - tem apresentado dificuldades de percepção e compreensão da forma de jogar pelas dificuldades que apresentam as suas 22 Leis do Jogo. 
De facto as Leis do Jogo são complexas - diversas e distintas formas de fora-de-jogo, relação entre as primeiras-linhas da formação ordenada ou as possibilidades de disputa do jogo no chão pouco claras e muito dependentes da interpretação quase pessoal do árbitro, são exemplos, entre outros, das dificuldades que existem pelos diversos pontos obscuros ou cinzentos. E isto para além das alterações que têm vindo a ser efectuadas e que alteram táctica e tecnicamente o jogo. 
A dificuldade interpretativa das Leis do Jogo expressa-se na necessidade das 99 clarificações oficiais interpretativas produzidas desde 2002 a que se juntam numerosas recomendações que os responsáveis internacionais da arbitragem impõem e que chegam, muitas vezes, tarde e a más horas às federações e às equipas - principalmente se não pertencem ao primeiro nível competitivo internacional. 
Tratando-se de um jogo complexo - gosto de o definir como jogo colectivo de combate organizado para a conquista de terreno com o propósito de marcar ensaios - e com diversas matizes estratégicas e tácticas, só a clareza e interpretação universal de cada uma das Leis do Jogo permite a igualdade de oportunidades que o jogo deve assegurar.
A World Rugby, entidade que superintende internacionalmente a modalidade, tendo a consciência que o actual estado de coisas no que se refere às Leis do Jogo não permitiria atingir a globalização pretendida, decidiu criar um grupo de trabalho para simplificar e tornar mais clara a leitura e compreensão das Leis do Jogo. Decisão naturalmente aplaudida por todos e principalmente por aqueles que não têm a língua inglesa como língua-mãe ou não mergulharam, ainda bebés, no barril cultural da modalidade.
As expectativas pelo resultado do grupo de trabalho eram elevadas e encaradas com grande optimismo. Até porque havia muitas vezes choque entre o que se encontrava escrito no livro de leis e o consagrado no campo - o costume, a prática cultural do direito consuetedinário britânico tinha aqui o seu peso (não foi uma nem duas as vezes em que dirigentes da mais alta responsabilidade mundial responderam à minha observação de violação do plasmado no livro das Leis do Jogo com um “mas é assim que jogamos!”).
O muito esperado trabalho foi, no primeiro dia deste ano, oficialmente, mas parcialmente, disponibilizado. Uma comissão constituída por 7 elementos conseguiu, passando para um total de 21 Leis do Jogo - diminuição de um número - reduzir em 42% a dimensão do conteúdo conhecido.
Mas, infelizmente, o resultado não me parece que possa atingir o objectivo pretendido: clarificar e universalisar o entendimento das regras que regem o jogo, uniformizando a compreensão e a adaptação ao jogo. Porque e principalmente, continua a ter por base uma visão britânica dominante - o grupo só tinha falantes de inglês e não de qualquer outra língua que facilitasse a compreensão generalizada do texto principal  - ignorando que, embora nos entendamos cada vez mais em inglês, essa língua comum não é o inglês de Inglaterra por muito que possa custar aos saudosistas do Império. E não deixa de ser curioso que no primeiro terço do ranking mundial existam 15 países que não têm o inglês como primeira ou segunda língua e que terão sido pouco ou mesmo nada achados...
Nós portugueses, já não tendo qualquer lugar - em paralelo com o nível de resultados conseguidos - nas instâncias decisórias, iremos ter problemas superiores a outros países na procura da tradução que melhor exprima a situação. Até porque a tradução oficial, como já aconteceu, deverá ser em português do Brasil...
Como método não deixa também de ser demonstrativo do posicionamento da federação internacional o facto de não ter constituído um grupo de participação funcional alargada, envolvendo e mobilizando para o processo da tomada de decisão representantes qualificados das diversas áreas culturais do mundo oval. O facto de não existirem treinadores qualificados - aqueles que mais pensam na exploração táctica e estratégica das Leis do Jogo - no grupo de trabalho é significativo e faz pressupor o aumento das dificuldades de utilização. E os erros estão lá! Erros que vão desde a incoerência com as leis experimentais actualmente em vigor - veja-se como se estabelece a introdução da bola na formação ordenada com o que se passa hoje em qualquer campo - ou mesmo por desacerto e incongruência entre pontos da simplificação efectuada ou pela falta de renovação de conceitos, mantendo discrepâncias com o jogo que se joga e que já não fazem qualquer sentido - quem percebe o sentido estratégico ou táctico da mantida definição de equipa atacante como “a adversária da equipa em cujo meio-campo se está a jogar"? Porque não terá havido uma melhor sistematização e simplificação do fora-de-jogo, nomeadamente estabelecendo a regra simples de que quem está em fora-de-jogo não pode ser colocado em-jogo pelo adversário? Porque não se trocou o conceito de "pressão" para considerar o ensaio por "tocar" na bola - deixando aberto, como se vê no pós Inglaterra-Gales, mais uma enorme zona cinzenta entre o escrito e o aceite.
Temo assim o pior com a continuidade do socorro das clarificações à medida dos pedidos de esclarecimento e que farão do conjunto das regras uma enorme confusão de difícil utilização e sistematização. E todo o trabalho realizado não servirá para aproximar competitivamente os países que não têm o rugby implantado na base da sua cultura desportiva, daqueles que o vivem desde o berço. Feito à imagem de uma visão mundial culturalmente monodireccionada e distorcida, esta diminuição de volume não trará as vantagens anunciadas ou pretendidas. Continuaremos a diversas e diferentes velocidades e com as correspondentes dificuldades de acerto universal com cada decisão dependente de um ponto de vista diferente.
Diminuição em 42% para facilidade de entendimento e consequente generalização da interpretação?!... mas será que alguém fora do reduzido mundo de eleitos - pelo erro metodológico de domínio cultural que a constituição do grupo de trabalho demonstra - consegue perceber o rugby lendo estas suas Leis do Jogo? E não é para isso que, em primeiro lugar, elas deveriam servir? Para permitir a aproximação global no respeito pelas diversidades culturais?
Desta repetição da imposição de uma cultura linguística ignorante da diversidade e da perda em traduções, não virá nenhum ganho para os que não pertencem à primeira linha da modalidade, continuando o jogo a ter um domínio interpretativo restrito a dificultar a qualidade da sua expansão.

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