Este Nova Zelândia-França colocou de novo a questão posse da bola versus uso da bola na ordem do dia. Quando os All-Blacks marcaram, aos 9 minutos, o primeiro ensaio, o domínio da França era total: 70% de posse de bola; 85% de domínio territorial. No final do jogo, numa diferença de 5 para três ensaios, os All-Blacks tinham 51% de posse de bola e dividiam equitativamente o domínio territorial. E ganharam com ponto de bónus e por uma diferença bem superior àquela que as pontuações do ranking admitem como normais.
O jogo de rugby não é um jogo apenas de medição de forças e quem tem a bola tem que a saber utilizar e tirar partido da vantagem que a situação lhe dá. E neste domínio os neozelandeses foram muito superiores aos franceses.
Depois há ainda outro domínio do jogo que marca a diferença: a capacidade colectiva de organizar o caos – assim como pegar fogo à casa e saber retirar os pertences mais importantes. No fundo é disto que se trata, desiquilibrada a defesa por concentrações atacantes, há que saber continuar o movimento, explorando a desorganização...organizando-se primeiro. Que se aprende pelo treino aplicado, claro.
Os franceses mostraram as dificuldades que os mais avisados comentadores vêem notando com a sua organização competitiva interna: jogo de poucos riscos, baseado em provas de força, mais território que uso de bola e com domínio do receio de perder sobre a vontade de ganhar. Para além de que, como refere o ex-internacional Alain Penaud, existe da parte dos treinadores franceses uma auto-suficiência prejudicial – olham para o Sul do alto da sua burra e não mostram compreender as transformações. No entanto, apesar de todas as debilidades que mostram – estão a jogar poucochinho e só os seus jornalistas parecem acreditar que o problema é do treinador… – têm a sorte do calendário e a oportunidade de aparecer num bom lugar final. Mas não servirão de grande exemplo para quem queira construir futuro.
Verdadeiramente, os franceses derem a mostra de absoluta incapacidade para uma equipa de pretensões – de que serve a super-máquina de treino de formações ordenadas, último grito da tecnologia? – e que se vê sempre como potencial vencedora. Para os adeptos servirá, para manterem a ilusão, a ideia que jogaram com uma equipa reserva, com um conjunto de médios de recurso, e que tacticamente a derrota era o melhor resultado – mas isto não retira as notórias deficiências de um jogo que raras vezes se mostra fluído nas ligações e acutilante na criação e exploração de desequilíbrios.
Do lado All-Black, mais uma lição da utilização do losango - esse ADN do rugby de movimento - que, começando no gesto técnico de contacto de dar as costas, é o instrumento de apoio e garante da continuidade do movimento que permite tornar eficaz o jogo de primeira fase e demonstrar – de novo – que o jogo de muitas fases é um mito de capacidade: muitas fases apenas demonstram incapacidade para criar desequilíbrios e resultam sempre de uma relação negativa de oposição ataque-defesa. Afinal não é o ataque que tem o domínio do tempo e do modo? O controlo do momento da decisão?
(e por ser assim, com jogos interessantes que se querem ver, a difícil conjugação de horários neste lado de cá do mundo...)
Em Tempo: a vitória da Inglaterra sobre a Roménia por 67-3 (10 ensaios a zero) construiu-se com 52% de posse de bola e 50% de domínio territorial por parte dos ingleses. Saber jogar, saber utilizar a bola - e neste saber estão incluídas as componentes técnicas e tácticas que permitem criar desequilíbrios - faz a diferença