Uma lição de rugby! de eficácia no uso da bola, de eficácia no cumprimento dos princípios do jogo, de eficácia na sintonização dos objectivos comuns.
A Irlanda, que no sábado anterior tinha mostrado uma aproximação a este nível superior que a Nova Zelândia representa, viu-se completamente ultrapassada pela fluidez, velocidade e movimento que os neozelandeses colocaram neste último jogo da digressão irlandesa.
Era previsível. O aperto sofrido pelos All-Blacks no último jogo - traduzido numa vitória sofrida e conseguida no último momento - teria resposta. E o interesse do jogo estava precisamente aí: saber como iriam reagir os neozelandeses, que armas iriam usar, como iriam lançar o jogo e impedir os irlandeses de responder ao mesmo nível?
A diferença entre a Nova Zelândia e a Irlanda - 1º e 8º lugares no ranking IRB - indicia uma diferença entre 23 a 30 pontos no resultado - o que significa, para que o resultado seja aproximado, que a Irlanda teria que estar no seu melhor, com tudo a correr bem, com a sorte do jogo pelo seu lado e o fighting spirit no seu máximo expoente. Foi o que aconteceu anteriormente e que não teve sequência neste último jogo. Porque os All-Blacks não deixaram. Mas sessenta pontos a zero?! É uma diferença brutal...
Os All-Blacks, para além da inovação - veremos o que o futuro dirá desta experiência - de recorrer a dois asas para as posições 7 e 8, apresentaram a estratégia de que mais gostam: tomar iniciativas. Nada parece planeado, tudo parece resultar da inspiração momentânea, mas surge porque houve horas e horas de trabalho treinando a adaptação à defesa e a tomada de decisão de cada um de acordo com o movimento de todos. A estes princípios juntam ainda uma notável capacidade de jogar no contacto e no chão - "é aí que se perdem ou ganham os jogos", concordam os irlandeses Brian O'Driscoll, capitão, e Declan Kidney, treinador - sem comprometer jogadores para além do necessário e utilizando qualquer jogador, não necessariamente o 9, para garantir a rapidez da continuidade do movimento e impedir assim que a vantagem seja da defesa. A que acrescentam uma impressionante fluidez e velocidade, atacando a linha-de-vantagem e alterando ângulos de corrida para atacar o ombro fraco defensivo e servir o apoio efectivo que aparece - quase como no Barcelona ou Espanha futebolística - a abrir, em alternativa, mais do que uma linha de passe, demonstrando uma notável capacidade interpretativa do movimento por parte dos jogadores sem bola - todos sabem para onde se dirigir, todos conhecem, em cada momento, a sua função, todos são capazes de se adaptar às exigências momentâneas do jogo e todos se mostram capazes de juntar mais-valia à equipa. E quando as coisas começam a correr bem, aumentando os níveis de auto-confiança, não há resistência que aguente.
Nota de factos: Marcando nove ensaios os All-Blacks não fizeram, praticamente, faltas e apenas tiveram 36% de posse da bola. Ganharam 60-0.